Ainda à espera do comeback de Tim Burton
Não escapa às suas marcas de cada vez que regressa. Mas do seu comeback continuamos à espera.
Michael Keaton e Danny DeVito fazem figura de guest stars de um universo que em tempos, nos anos 90, lhes provocou convulsões, amputações e amarfanhamentos — e proporcionou momentos de êxtase ao espectador. Foram os tempos da glória negra, anarca, de Tim Burton, e isso tocou a carreira deles, Michael (Beetlejuice, Batman, Batman Returns) e Danny (Batman Returns, Marte Ataca...). Agora, em Dumbo, recriação em imagem real do clássico da Disney de 1941 sobre o bebé elefante que nasceu num circo com orelhas enormes, o filme já não é fundamentalmente deles — porque este cinema já é outro, como as viagens de regresso a casa onde parece que tudo está na mesma mas a paisagem já mudou de forma irreversível. Os “bonecos” agora saem-lhes padronizados. Os opostos que lhes cabe interpretar em Dumbo — o empresário que tenta aldrabar o fim de um tempo, o do seu artesanato (DeVito), e o activista de uma nova indústria infernal (Keaton) — são agora apenas instrumentais para o corpo e a forma do cinema de Tim Burton, um daqueles cineastas americanos (como Scorsese, como Woody Allen...) que não escapam às suas marcas de cada vez que regressam, até porque elas pré-existem a tudo, mas de cujo comeback continuamos na verdade ainda à espera.
Dumbo pertence a uma criatura digital, o elefante bebé, sobre a qual é suposto as personagens de Danny DeVito e Michael Keaton, e na verdade todas as outras e fundamentalmente o espectador, arregalarem os olhos de espanto quando ela desata a abanar as orelhas gigantes. Fazemos todos de conta perante os voos... e sempre a música a estabelecer as regras e a convenção, e os planos a terem uma etiqueta que os sinaliza e a saírem de um cardápio habitual. É reiteração, não é aventura. A relação estímulo-resposta tem as etapas previstas, está garantida a higiénica condução do espectáculo.
É por aí que tem parado Tim Burton: tornou-se inofensivo. “Burtonizar” tem sido, então, normalizar - mas não começou por ser assim: Batman Returns, por exemplo, era um filme que recusava fazer a paz. Nada nele se tem oferecido à descoberta, quer quando interfere em iconografias estabelecidas (Planet of the Apes, 2001, Charlie and the Chocolat Factory, 2005, Alice in Wonderland, 2010) quer quando, é o caso de Dumbo, cumpre o projecto da Disney de fazer render um património, regressando em live-action aos clássicos de animação — Dumbo vem depois de Alice in Wonderland (2010), The Jungle Book (2016) ou Beauty and the Beast (2017), e ainda chegarão em 2019 Aladdin e The Lion King.
Só quando permaneceu do lado dos mortos-vivos, isto é, no mundo da técnica de animação stop motion (Corpse Bride, 2005, Frankenweenie, 2012), é que a condição do ser burtoniano, entre a plasticina e os ossos, foi acordada e a celebração foi eufórica. De resto, tem sido um remake remodel sem solavancos, coisa digitalmente homogeneizada. Como a família do circo de Dumbo, disfuncional mas benigna (e com oportunidade de reconversão politicamente correcta no final). Só podemos imaginar o que antes poderia ter sido no cinema de Burton, sabendo o que foi no Freaks de Tod Browning (1933), filme e cineasta que estão aqui escondidos, bem escondidos. Num Dumbo em que há um homem que veio da guerra sem um braço (Colin Farrell, pai em perda de autoridade perante os filhos) mas que nada pode, por exemplo, perante a memória do homem sem braços de The Unknown (Browning, 1927)...