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Eles encontraram “a mulher dos seus sonhos” numa boneca sexual

Elena Dorfman
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Elena Dorfman

As histórias de amor romântico e carnal entre o ser humano e um objecto inanimado existem desde a Antiguidade. Na mitologia grega, por exemplo, o rei e escultor Pigmalião viria a apaixonar-se pela mulher que esculpiu numa pedra; Clemente de Alexandria, por sua vez, narrou a história de um homem que se apaixona por uma estátua de Afrodite, com a qual, por fim, acaba por manter relações sexuais. O escritor Victor Hugo descreveria o amor de Quasimodo pelos sinos da Catedral de Paris como um sentimento mais forte do que mero apreço. “Dar o grande sino [da Catedral] a Quasimodo foi como dar Julieta a Romeu”, pode ler-se no romance.

Still Lovers, série da norte-americana Elena Dorfman, inaugura mais um capítulo do eterno romance entre humanos e objectos, neste caso do amor carnal entre pessoas e sex dolls hiper-realistas made in Califórnia. O seu projecto, apresentado pela primeira vez em 2004, integra agora a exposição Surrogati. Un Amore Ideale que está patente na Fundação Prada, em Milão, até 22 de Julho. Nele, a fotógrafa explora “os laços emocionais que se formam entre seres humanos e mulheres sintéticas” com o objectivo de “colocar questões acerca do poder de um objecto no processo de substituição de um ser humano, no que toca ao amor”.

A criação de laços afectivos entre humanos e objectos começa, tipicamente, na infância. “As crianças adoram excessivamente os seus brinquedos, em muitos casos”, refere Elena Dorfman, em entrevista ao P3, via Skype. “Por que motivo será surpreendente que seres humanos adultos se afeiçoem, de forma adulta, a outro tipo de objectos?” Quando deu início ao projecto, em 1999, a fotógrafa de Boston nunca tinha visto ou ouvido falar de relacionamentos de cariz amoroso ou sexual entre pessoas e sex dolls nos meios de comunicação social. “Na altura era algo completamente novo, fresco”, recorda. “Eu soube deste tipo de ligação devido à abertura da fábrica de bonecas sexuais RealDoll, no Sul da Califórnia. Rapidamente dei por mim à procura de alguém que tivesse uma. Comecei a minha demanda pelas sex shops, contactando com pessoas da indústria do sexo.”

Em 2000, uma pista levou Elena até ao Kansas, à casa de Warren e Elinor, um casal do Missouri que tinha cinco bonecas sexuais, sintéticas e ultra-realistas. Quando entraram, Jamie, a primeira boneca do casal, estava sentada numa poltrona e tinha um copo de whisky na mão. “Sempre que entrávamos na sala, demorávamos sempre um bocado até nos lembrarmos que ela não era uma pessoa.” Jamie “vestia uma camisa de noite e um robe florido, entreaberto, que revelava um peito suave e generoso”, lê-se no site da fotógrafa. “O interior do seu sexo era áspero; inseri o dedo e ele foi pressionado por um mecanismo de sucção. Os detalhes da sua pele eram impressionantes: clavículas frágeis; os ossos da bacia, das omoplatas, das covinhas de Vénus eram muito precisos. A pele — fria e levemente pegajosa devido à exalação de suor mineral — atraiçoava o realismo, assim como as articulações — tornozelos, pulsos e pescoço – que estavam inchadas devido à soldagem das partes.” Warren e Elinor encontraram-se e o fetichismo uniu-os. As cinco bonecas que mantêm dentro de portas fazem praticamente parte do seu agregado familiar.

A partir desse primeiro retrato, vários se seguiram. Em comum, todos os proprietários de sex dolls sentem “paixão por tecnologia e robótica”, “têm algum tipo de relação com o Japão” ou “sentem fetiche por materiais sintéticos, látex”, afirma Elena. São, 99,9% das vezes, homens e “buscam a mulher dos seus sonhos”. “Essa procura não deve ser confundida com solidão”, ressalva a fotógrafa. “Nenhum dos homens que retratei era, efectivamente, solitário — ao contrário do que pensa a maioria das pessoas.”

A ligação emocional entre os homens e as bonecas foi um dos aspectos que mais apaixonou Elena durante o desenvolvimento do projecto, entre 2000 e 2004. “Existe um lado ficcional muito curioso neste fenómeno. Os donos destas bonecas dão-lhes nomes, atribuem-lhes personalidade, desejos, um passado, uma história. Prevêem o seu comportamento, simulam feedback e dão resposta. Estamos perante um mero objecto, silencioso, imóvel. Quase misterioso. Mas existe, em simultâneo, um turbilhão na mente do seu dono. As bonecas ganham vida e existem, circunstancial e realmente, na vida de quem as alberga. É fascinante.”

Elena diz ter encerrado o capítulo das sex dolls na sua vida, na sua carreira. Mas, confessa, passaram-se quase 20 anos, a realidade alterou-se, até “seria interessante voltar”. “Hoje em dia, a tecnologia e o mundo virtual fundem-se cada vez mais com a vida real e é cada vez mais ténue a linha que separa os dois mundos”, conclui. “É normal, hoje, falarmos com Alexas e já começamos a lidar com a inteligência artificial... Os laços emocionais entre homem e objecto, entre homem e máquina, irão, talvez, banalizar-se num futuro próximo.”

Elena Dorfman
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