Vale tudo pela cadeira do bastonário?

Sabem os psicólogos qual o poder do boato e da desinformação. Assim como sabem que falar dos vencimentos dos outros é uma poderosa narrativa.

Fez recentemente 2 anos que tomei posse como bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). Assumi este desafio com um programa ambicioso, construído conjuntamente com centenas de psicólogos e psicólogas de todo o país, num movimento de mobilização ímpar na psicologia em Portugal. Vencemos as eleições, numa decisão indubitável, com 54% dos votos entre as três listas concorrentes. Este programa, com um elevado cumprimento apenas possível pela dedicação de toda a minha equipa, não resolverá todos os problemas dos psicólogos, nem tornará os seus serviços acessíveis a todos os portugueses, como nunca afirmou fazer. Sendo assim, para que serve a Ordem, conforme perguntam?

Serve para valorizar a profissão de psicólogo e melhorar o seu estatuto sócio-económico, contribuindo para a criação de emprego e para melhores condições para o seu exercício. Estou convicto que, tendo em conta o contexto português, a situação é hoje significativamente melhor e a nossa ciência e profissão são mais reconhecidas, valorizadas e utilizadas que há 2, 5 ou 10 anos. Crescente e progressivamente. Não é um trabalho meu. Não é um trabalho da OPP. É um trabalho de mobilização de todos e de cada um no seu local de trabalho, enquadrados numa acção no âmbito das competências de uma Ordem, fora da área sindical (como nos é vedado por lei), tendo em consideração que o desenvolvimento profissional dos psicólogos é um dos fins da OPP, sendo um meio para que os portugueses tenham mais e melhor acesso aos serviços prestados por psicólogos. Tudo isto apresentámos, debatemos e discutimos com os psicólogos quando fomos a eleições.

O que também foi apresentado, para além de visões muito diferentes do que deve fazer uma Ordem e de como o deve fazer, foi a remuneração ou não dos seus órgãos sociais executivos permanentes. Sempre defendi que sim desde antes da existência da OPP, que ajudei a criar e da qual fui membro da sua Comissão Instaladora. Defendi que sim, clara e abertamente na última campanha eleitoral, defendendo a manutenção exacta das condições que foram aprovadas em Assembleia de Representantes em 2010 em que se usou o valor referência do salário do equivalente a bastonário em sede de protocolo de Estado, sem exclusividade. Recebo cerca de 3300 euros líquidos. Não recebo, nem recebemos, ajudas de custo, nem o regulamento recentemente aprovado, pedido pela Assembleia de Representantes e que nada altera o antes e sempre praticado, as define ou prevê, muito menos de forma ilimitada. Dizê-lo é uma mentira, e uma mentira intencional de quem sabe que assim é. Uma, entre muitas outras que têm sido proferidas nos últimos dias, ao estilo do que as políticas nacionais e internacionais nos têm vindo a mostrar, por vezes com resultados finais que questionamos como terão sido possíveis. Não tenho, nem terei ao abrigo deste regulamento, qualquer direito a subsídio de reintegração. Tenho direito, como têm tido todos os membros dos órgãos sociais desde o início da OPP, a ser ressarcido das despesas que tenha no estrito cumprimento da minha função e nos termos da Lei.

É também mentira, e uma mentira intencional de quem sabe que assim é, dizer que a OPP é despesista ou está em situação financeira difícil: para desespero de alguns, cujos programas foram derrotados, a OPP apresentou resultados positivos, reduziu a sua dívida de curto prazo em 42% de 2017 para 2018 e a dívida total em 39% em 2 anos. Para desespero de alguns, com forte empenho de todos na OPP, a despesa com fornecimentos e serviços externos reduziu 40% nestes mesmos dois anos e os seus activos são hoje 38% superiores ao passivo, num valor de diferença superior a 2,3 milhões de euros. Para este resultado, contribui a nova sede da OPP, cuja renda em leasing praticamente equivale ao valor do aluguer da anterior, e que constitui património de todos os psicólogos. Estes e outros dados, incluindo a explicação da falácia dos 1.150 milhões de euros de ajustes executados em 2018 (menos de um terço deste valor, de facto), da não publicação dos contratos e da desinformação associada ao pagamento de quotas (cerca de um quarto dos psicólogos portugueses pagam 48 ou 96€ anuais), são facilmente comprováveis no Relatório e Contas de 2018, recentemente aprovado e disponível a todos, que se queiram de facto inteirar e informar, no site da OPP.

Mais ridícula, mas paradigmática, é a mentira de uma “famosa” cadeira do bastonário, alegadamente adquirida no primeiro mandato dos órgãos sociais da OPP, e que segundo alguns, teria custado, dependendo das versões, 3000 ou 5000 euros. Aqui talvez tenha sido apenas literacia ou a falta dela no início, transformando o todo pela parte, ou melhor explicando interpretando que o item “Cadeira” nos relatórios contabilísticos era uma cadeira e não como eram na realidade o conjunto total das cadeiras adquiridas nessa altura para toda a OPP. No início talvez, mas hoje, depois de tantas vezes explicado o que será?

Para este fenómeno de desinformação e para sua possível ocorrência alertei os psicólogos no discurso de abertura do nosso IV Congresso, em Braga. Sabem os psicólogos qual o poder do boato e da desinformação. Sabem ainda mais os psicólogos que têm responsabilidade de formação dos futuros psicólogos, pois este assunto faz parte dos currículos base da formação em Psicologia. Assim como sabem que falar dos vencimentos dos outros é uma poderosa narrativa. Mais ainda num país de baixos salários e com muita precariedade, na comparação com parceiros europeus que gostamos de fazer, onde os psicólogos, como não me tenho cansado de referir, não são excepção. Há alguns para quem a solução está na redução de salários que sejam mais elevados do que os seus. Nós preferimos a opção de lutar pela valorização do trabalho dos psicólogos, mesmo tendo em conta o contexto em que vivemos, para que estes possam ver a sua situação melhorada. Em 2020 os psicólogos poderão escolher outra visão e outras opções se considerarem que as por nós seguidas devam ser invertidas ou alteradas.

Da minha parte e da parte da minha equipa, assumimos nas condições em que nos comprometemos com os psicólogos que continuaremos focados em contribuir com a Psicologia e com os psicólogos para melhores políticas públicas, melhores serviços e mais bem-estar para os cidadãos, numa atitude construtiva, sem demagogia ou populismos, propondo e sugerindo iniciativas, com base na evidência científica, que promovam o desenvolvimento económico e social do país, como nos compete e como nos foi delegado. De acordo com o nosso programa, com as atribuições da OPP e pelo interesse de todos.

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