Dez anos de atraso em regime para internar presos com doenças mentais
Medida de segurança de internamento em unidades de saúde não inseridas em prisões está prevista desde 2009. Só agora o Governo se prepara para aprovar em Conselho de Ministros o regime indispensável para a tornar possível.
Para permitir a “reabilitação do internado”, a “sua reinserção no meio familiar e social”, prevenir “a prática de outros factos criminosos” e servir “a defesa da sociedade e da vítima em especial”, o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade prevê desde 2009 uma opção específica de internamento de reclusos inimputáveis ou imputáveis “portadores de anomalia psíquica” preferencialmente “em unidades de saúde mental não-prisional”.
O código, aprovado há dez anos, determina que a sua aplicação na prática carece de “adaptações” a serem “fixadas por diploma próprio”. Só agora, uma década depois, o Governo se prepara para aprovar em Conselho de Ministros o decreto-lei que introduz essas adaptações para prevenir “disparidade de critérios no tratamento dos cidadãos internados em diferentes unidades”.
O diploma estabelece como norma que o recluso deve permanecer na prisão apenas em caso de “necessidade de segurança”. Na ausência de perigo de fuga, de perigo para o próprio ou para terceiros, o internado fica numa unidade de saúde mental “não integrada” nos serviços prisionais.
Actualmente, para internamento de pessoas com doenças mentais condenadas à reclusão apenas existem duas unidades de saúde inseridas nos estabelecimentos prisionais, informam o Ministério da Justiça e a Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP): a Clínica de Psiquiatria e de Saúde Mental, no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, vocacionada para receber inimputáveis; e o serviço de psiquiatria do Hospital Prisional de São João de Deus em Caxias “para casos agudos e acolhimento de inimputáveis”. Há cerca de 240 pessoas internadas no sistema prisional, de acordo com as mesmas informações.
Sem estimativas
O projecto do Governo indica que deverão ser criadas unidade de saúde mental que ficarão sob a tutela do ministério da Saúde e da Justiça. E pressupõe, por isso mesmo, “uma colaboração permanente e eficaz” entre estes dois ministérios, introduzindo um dever de transparência na garantia da qualidade do tratamento e condições de vida dos internados.
Face ao “facto de se tratar de medidas privativas da liberdade, o que é “agravado” por estes serem “cidadãos particularmente vulneráveis”, torna-se “indispensável a previsão de mecanismos independentes de fiscalização da legalidade de procedimentos” por parte da Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça e da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, refere o projecto do Governo.
Questionado sobre a estimativa de custos para o novo modelo a aplicar com o projecto de decreto-lei que está em cima da mesa, o Ministério da Justiça diz não ser oportuno pronunciar-se sobre “uma matéria que está ainda em trabalho” e que ainda “não foi a Conselho de Ministros”. Também o Ministério da Saúde considerou “prematuro” dar respostas sobre o tema. O seu gabinete de imprensa respondeu que “a verba a disponibilizar será divulgada numa fase posterior”.
O novo modelo também estipula que antes da transferência para unidade de saúde, e quando ainda estão na cadeia, os condenados diagnosticados com uma doença mental “recebem cuidados médico-psiquiátricos permanentes”.
Esse acompanhamento permanente é por ora inexistente nas prisões. Frequentemente, o recluso com doença do foro psiquiátrico é seguido no Serviço Nacional de Saúde, mas fica dependente da disponibilidade irregular e inconstante dos guardas prisionais em acompanhá-lo às consultas. O internamento de pessoas nestas circunstâncias depende de uma medida decretada pelo tribunal.