Apesar da imagem negativa, tribunais reduzem processos pendentes há cinco anos seguidos
Pela primeira vez em 11 anos, em 2017 havia menos de um milhão de acções a aguardar decisão nos tribunais de primeira instância. A maioria dos processos existentes, as acções de cobrança de dívidas, ainda demoraram mais de quatro anos e meio a terminar segundo dados do ano passado.
O grau de confiança dos cidadãos na Justiça continua negativo, apesar dos tribunais terem melhorado a capacidade de resposta nos últimos anos. Sinal disso é o facto de os processos pendentes nos tribunais portugueses estarem a diminuir consecutivamente há cinco anos (passaram de quase 1.7 milhões em 2012 para 978 mil em 2017) e de, pela primeira vez, nos últimos 11 anos haver menos de um milhão de acções judiciais a aguardar uma decisão, na primeira instância. Os números são do Ministério da Justiça e dizem respeito ao período entre 2007 e 2017, os dados mais recentes disponíveis.
Mesmo assim, apenas 44% dos residentes em Portugal dizem confiar na Justiça, segundo dados do Eurobarómetro divulgados pela Pordata relativos a Novembro de 2018. Desde 2015, que os números deste indicador têm variado entre os 43% e os 49%, longe do pico negativo de 28% registado em Novembro de 2010. Dez anos antes, eram 32% os que diziam confiar na Justiça, um valor que subiu em flecha em 2003, ano em que atingiu 47%. Estes níveis de confiança ficam muito atrás de países do Norte da Europa, como a Dinamarca e a Finlândia, onde, respectivamente, 87% e 84% dos residentes dizem confiar na Justiça.
Pedro Barbas Homem, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e antigo director do centro que forma magistrados, acredita que a desconfiança também é uma questão cultural. “Há estudos que mostram que há uma elevada taxa de desconfiança na Justiça, mas também nas pessoas umas nas outras”, nota o professor universitário. Barbas Homem pensa que a Justiça está mais eficiente e que, muitas vezes, os cidadãos não têm noção de que em alguns aspectos somos dos melhores da Europa. “Temos dos tribunais superiores mais rápidos da Europa. A justiça criminal é, em regra, rápida. E na utilização de meios informáticos estamos muito à frente de muitos Estados europeus”, enumera.
Os números do Ministério da Justiça mostram que, em média, os tribunais superiores demoram três meses a decidir uma acção crime e quatro meses uma cível. Nos tribunais de primeira instância o panorama é bem mais negativo. Os processos cíveis, que representavam quase 90% dos casos pendentes nos tribunais em 2017, demoravam em média 34 meses, ou seja, dois anos e 10 meses a concluir. A maioria são acções de cobrança de dívidas e, nestas, o cenário é ainda pior. Os últimos dados existentes, relativos ao terceiro trimestre de 2018, dão conta de que as acções executivas terminadas nesse período demoraram em média 55 meses, mais 15 meses do que no mesmo período de 2012, quando estavam pendentes o dobro dos processos deste tipo (mais de 1,2 milhões de acções). A demora regista-se a par da diminuição das acções executivas pendentes que estão a decrescer há seis anos consecutivos (eram no terceiro trimestre de 2018 menos de 629 mil) e de a taxa de resolução processual, que mede a correlação entre o total de acções terminadas e o total de entradas, apresentar o melhor valor do terceiro trimestre nos últimos 11 anos: 183%.
Justiça criminal representa 5% dos processos
Na Justiça criminal, que representa menos de 5% dos processos existentes em 2017, a duração média nos tribunais de primeira instância era bem menor: oito meses. Na área do trabalho a duração sobe para nove meses.
Não há indicadores recentes sobre quais são, na opinião dos portugueses, os principais problemas da justiça. Mas Conceição Gomes, coordenadora executiva do Observatório Permanente da Justiça (OPJ) da Universidade de Coimbra, arrisca que a morosidade ainda se destaque na tabela. O último inquérito relativo às percepções sobre a Justiça, que o observatório terminou em Junho de 2013, confirmava a imagem negativa dos portugueses sobre o funcionamento dos tribunais. Mais de 64% dos inquiridos atribuía uma nota entre um e dois numa escala de cinco. E 59% considerava mesmo que “as decisões dos tribunais são tão lentas que não vale a pena recorrer a tribunal”.
Pedro Magalhães, investigador no Instituto de Ciências Sociais, acredita que a avaliação que os cidadãos fazem não está completamente desligada da realidade. E explica porquê: “Com base nos dados do Inquérito Social Europeu e da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça, sabemos que quanto mais tempo os tribunais demoram entre a entrada de um processo e a emissão de uma sentença, e quanto menor a sua capacidade para lidar com casos pendentes, menor tende a ser a confiança dos cidadãos no sistema”.
Conceição Gomes reconhece que os tribunais se descongestionaram nos últimos anos, mas considera que a Justiça ainda tem um longo caminho a percorrer a nível da proximidade com os cidadãos. “Os tribunais têm que saber acolher a vulnerabilidade. Tem que haver condições para ouvir as vítimas de violência e as crianças. Os tribunais de trabalho têm que ter condições físicas para receber um sinistrado”, exemplifica. Também Barbas Homem fala da necessidade de melhorar a humanização da Justiça. “Tem que haver, por exemplo, uma preocupação com a linguagem clara”, considera o professor universitário. Barbas Homem lembra, por exemplo, o impacto que uma notificação pode ter para um cidadão num processo de cobrança de dívidas, que pode implicar a penhora de bens. “Às vezes as pessoas não cumprem simplesmente porque não perceberam o que lhes estava a ser pedido”, realça.
"Melhorias pontuais"
Nuno Garoupa, professor de Direito na Universidade George Mason, nos Estados Unidos da América, e coordenador de vários estudos sobre Justiça na Fundação Francisco Manuel dos Santos, é mais pessimista e admite apenas “melhorias pontuais”. Não considera a Justiça nem pior, nem melhor que outras áreas da administração do Estado, mas lamenta que iniba o crescimento económico e social. “Simplesmente faz parte de um conjunto de problemas de políticas públicas que se arrastam ano após ano sem solução”, acredita, sublinhando que países que tinham sistemas piores que o português nos anos 90 se encontram agora melhor classificados nos rankings europeus e mundiais.
Mesmo assim reconhece que a percepção da população, muito negativa, é influenciada pela comunicação social e pelas redes sociais. “A percepção é menos negativa para aqueles que têm uma relação directa com a justiça e mais negativa para aqueles que têm uma relação mais afastada”, afirma. Os estudos do OPJ mostram isso. Na análise de 2013, 75% dos inquiridos que tinham recorrido a tribunal diziam que voltariam a fazê-lo se pudessem voltar atrás. Em 2001 tinham sido 81% e, em 1993, 84%. “O que significa que os tribunais portugueses, quando experienciados, mantêm uma reserva de confiança”, concluíam os investigadores.
A juíza Albertina Pedroso, que já foi chefe de gabinete no Conselho Superior de Magistratura e presidente do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, concorda que a comunicação social contribui para a percepção negativa da Justiça. Lamenta que os jornalistas só tenham interesse em “casos pontuais” e que “normalmente só seja notícia o que não correu bem”. Por outro lado, nota que há uma deficiente educação para a cidadania em Portugal e um desconhecimento grande sobre como funciona o sistema de justiça.
A magistrada atribui as melhorias no aumento da capacidade de resposta dos tribunais à última reforma do Código de Processo Cível e à reorganização dos tribunais, que arrancou em Setembro de 2014, aprofundou a especialização. Mas discorda de um excessivo enfoque na produtividade, que possa afectar a qualidade das decisões.