Lenita Gentil: “Agora só canto as coisas de que eu gosto”
A um ano de completar 50 anos de carreira, Lenita Gentil lança um novo disco de fados com produção de Jorge Fernando e com Pedro Jóia, Custódio Castelo e António Barbosa por convidados. Lenita é lançado esta quarta-feira em Lisboa, no Atmosfera M, às 18h.
Diz que gravou mais de 80 discos, entre singles, EP e LP, desde que começou a sua carreira como cantora, hão-de completar-se 50 anos em 2020. E não só no fado. Lenita Gentil andou também pelos palcos da música ligeira, sobretudo em festivais (nacionais, como os da RTP ou o da Figueira da Foz, mas também internacionais, em Espanha, no México, na Roménia, na Grécia ou na Polónia), no teatro de revista e até no cinema. O que a traz de nova à ribalta é, porém, o fado, onde se iniciou há quatro décadas e que desde então não mais abandonou (é fadista residente n’O Faia, em Lisboa, há 30 anos).
Nascida Maria Helena Gentil do Carmo, na Marinha Grande, em 6 de Agosto de 1948, Lenita Gentil começou a cantar em público bem cedo, aos 5 anos, estreando-se aos 16 na rádio, aos microfones dos Emissores do Norte Reunidos, no Porto, e aos 17 no Palácio de Cristal. Posteriores actuações na televisão abriram-lhe caminho aos festivais e ao mundo. A sua entrada no mundo do fado (diz-se, na sua biografia publicada no Museu do Fado, que “apaixonada pelo som fascinante da guitarra portuguesa, a par da admiração por Amália Rodrigues”) resultou na gravação de vários discos, dos quais os mais recentes, já editados em CD, são Fado (1991), Outro Lado do Fado (2005) e Momentos (2012).
Nove fados e duas canções
O novo disco, que traz por título apenas o nome por que é conhecida, Lenita, começou a ser preparado há mais de dois anos, mas vicissitudes várias atrasaram a sua edição. O que traz Lenita? Nove fados e duas canções, estas vindas da América do Sul: Lágrima, do cantor e compositor baiano Roque Ferreira (canção que Maria Bethânia gravou no seu disco Mar de Sophia, de 2006), e Gracias a la vida, da chilena Violeta Parra. “Gosto muito de música sul-americana”, diz Lenita Gentil ao PÚBLICO. “E tal como aconteceu no Momentos, em que gravei uma música que já andava para gravar há muito tempo, Hasta siempre comandante [dedicada a Che Guevara], quis agora gravar o Gracias a la vida, de que gosto muito, quer da música quer do poema.” Lenita ouviu primeiro a versão original, da própria Violeta Parra, mas o que a agarrou em definitivo foi a versão que deste mesmo tema fez a cantora argentina Mercedes Sosa. “Ouvia-a [na gravação de] um concerto em Buenos Aires com a Joan Baez e pensei: agora é que vou gravar isto.”
O resto são fados, alguns dos quais ela nunca tinha cantado. Como Flor de verde pinho (com que abre o disco) ou Nasci para ser ignorante, ambos de repertório de Amália e com música de Carlos Gonçalves, o primeiro com poema de Afonso Lopes Vieira e o segundo de Sebastião da Gama). Já os também amalianos Cuidei que tinha morrido (de Pedro Homem de Mello e Alain Oulman) ou Rasga o passado, com que fecha o disco (letra de Álvaro Duarte Simões e música de Alain Oulman), são bem mais conhecidos, embora Lenita nunca tivesse cantado este último, nem mesmo na casa de fados.
No alinhamento do disco, além de um tema de Jorge Fernando (Mais nada do que nada, no Fado Ricardo), há ainda Tia Macheta, de Berta Cardoso; Foi na Travessa da Palha, de Lucília do Carmo; ou Rosa caída, de Ada da Castro. E há um fado, que depois outras fadistas gravaram, mas que é criação de Lenita Gentil: Gota abandonada (com letra de Maria de Lourdes Carvalho e música de Martinho d’Assunção). “Nunca pensei em cantar o Tia Macheta, estava bem longe disso. Mas um dia estava em casa, a ouvir coisas, e dei com a Berta Cardoso. Comecei a ouvir aquilo, e como fala em bruxarias e coisas assim, achei que podia estar ali um fado antigo para eu cantar.” E Jorge Fernando concordou.
Regresso a Gota abandonada
“O Travessa da Palha já o tenho cantado em espectáculos. Quanto à Rosa caída, já a canto n’O Faia há imenso tempo. É na música do Fado Tango, de que gosto muito, como gosto muito do poema, e gravei-o agora com o Custódio Castelo [na guitarra portuguesa], ficou muito bonito.” No disco, onde Lenita Gentil é acompanhada por Bruno Chaveiro (guitarra portuguesa), Jorge Fernando (guitarra clássica) e Marino de Freitas (viola baixo), há ainda outros dois convidados, além de Custódio Castelo: Pedro Jóia, guitarra clássica em Gracias a la vida; a António Barbosa, violino em Rasga o passado.
“Agora só canto as coisas de que eu gosto”, diz Lenita Gentil. “Já gravei discos e coisas que eram um bocado impingidas, agora não. Agora, tudo o que canto tem de me dizer minimamente qualquer coisa. Estou nesta fase e continuarei.” É assim que regressa Gota abandonada. “É uma criação minha. Já a tinha gravado num EP, só com músicas do Martinho d’Assunção e poemas da Maria de Lourdes Carvalho, com Gota abandonada, Poema bendito, Cor da minha alma e O Sol há-de brilhar na minha voz [título do EP, de 1975, onde ela era acompanhada pelo Conjunto de Guitarras de Martinho d’Assunção]. E digo assim: ora aqui está uma coisa gira para eu regravar.” E assim foi: regravou-o.
Lenita, o disco, é colocado hoje no mercado, a par de uma primeira apresentação em público no Atmosfera M, em Lisboa (um espaço da Associação Mutualista Montepio, cuja sigla surge impressa no disco a par das do Museu do Fado e da EGEAC). Às 18h.