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Sub-30: Sofia Neto não sabe onde “andam as pessoas interessadas em BD”
Começa quase sempre assim, com Sofia Neto a obrigar corpo e criatividade a atirarem-se ao estirador. A mão direita a rabiscar livre na folha de aquecimento, o pensamento longe, noutro sítio qualquer. “Até que te aparece uma cara e tu pensas: 'Ok, pode ser'. Então vais redesenhando o personagem em situações diferentes, até alguma coisa começar a fazer sentido.” Parte do processo de criação vem ainda da licenciatura em Artes Plásticas e Multimédia, onde lhe repetiram vezes sem conta que “dar espaço ao acidente” não só não era mau, como era bem-vindo. “Traz coisas à história que não estavam planeadas, dá-lhe mais força e não depende de ti, é só uma coisa que aconteceu” — e qualquer metáfora é pura coincidência.
Também começa quase sempre ali: no escritório que montou em São João da Madeira, a meia hora de viagem do Porto. “Há muito a ideia de que um artista tem de poder trabalhar em qualquer lado, mas eu preciso mesmo do estirador.” O dela está na antiga casa dos avós. “Foi uma batalha instalar-me de novo aqui. Mas temos um jardim e uma casa que recuperámos com as nossas mãos, tem vantagens.”
Perto dali, em casa dos pais, encontrou revistas de banda desenhada (BD) francesa dos anos 1970 — erotismo, muita violência. “Faziam parte do movimento da contra cultura de então e tinham muita violência, erotismo, coisas mais viscerais.” Não é esta a linha que, vários anos depois, segue ou gosta de tirar das prateleiras que lhe revestem o atelier, mas acha piada “à possibilidade”. Tornou-se “leitora não obsessiva”. Interessa-lhe “principalmente a técnica do desenho”, não discrimina “géneros ou geografias”, vai além do vício da história. E das históricas: “Se calhar por isso é que nunca entrei muito nos comics. Da mesma maneira que nunca entrei muito no Astérix ou no Tintim. Interessam-me, mas não me entusiasmam.”
O que é que a entusiasma? A primeira BD com princípio, meio e fim que desenhou foi sobre uma tarte de lima. A do café ao lado da Faculdade de Belas Artes do Porto (FBAUP), onde se licenciou, que tinha uma parede com espaço para expor pequenos trabalhos. A ficção científica onde duas personagens parecem explorar um planeta desconhecido foi para lá. E Sofia, 29 anos, percebeu que era aquilo que queria fazer.
Decidiu candidatar-se a um mestrado em Angoulême, cidade francesa conhecida por ser a capital da banda desenhada. “Levei com uma torrente de informação, tive os melhores professores, percebi que o que queria fazer era mesmo uma profissão e voltei para cá cheia de energia (…). Mas percebi que, embora conhecesse muita coisa sobre a banda desenhada em França, não conhecia nada sobre a banda desenhada em Portugal. O que era uma grande lacuna”, ri-se.
Sofia começou a dar aulas de BD — não apenas por imposição, principalmente por gosto, ressalva — na Oliva Creative Factory, em São João da Madeira. “A primeira vez correu terrivelmente mal, embaraçosamente mal. E a segunda não.” Foi depois convidada por Marcos Mendes e Nuno Sousa para dar aulas no Clube de Desenho, dá formações contínuas na FBAUP e, até o curso ter fechado, na ESAP, em Guimarães. “Era a única universidade em Portugal com um curso em BD”, lamenta.
Em Portugal, Sofia não sabe onde “andam as pessoas interessadas em BD”. Diz que o estilo é pouco falado nos principais meios e a discussão fica confinada “a blogues específicos”. Nas lojas onde já esteve, viu “sempre pessoas a entrar e a sair, sempre a falar de banda desenhada e a comprar comics”. É essa observação directa que a leva a dizer que “há muito mercado para comics que já vai além dos super-heróis e da linha preta super carregada". E "muito mercado também para manga”. “Não me lembro é de ver alguém a esticar a mão para um trabalho independente”, a prateleira onde as suas obras se encaixam.
Sofia Neto está a pensar num doutoramento em publicações ilustradas para a infância, em Inglaterra. Isto porque acha que à BD em Portugal faltam “obras mais direccionadas para crianças” e “‘mais acesso a trabalhos de artistas independentes". "Portugueses e não só”, sublinha. E falta criar públicos que explorem, desde pequenos, “todas as possibilidades” que cabem em quadradinhos.
A série Sub-30 dá a conhecer jovens talentos portugueses.