Proposta de Souto de Moura para Amarante divide opiniões

O anteprojecto apresentado por Souto de Moura que visa a requalificação do Mercado Municipal e da Alameda Teixeira de Pascoaes suscitou algumas críticas. Por um lado, há quem ache o projecto "fantástico"; por outro, há quem o considere consequência de uma apetência política em "deixar a marca" em lugares canónicos da cidade, "destruindo-os".

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Proposta de Souto de Moura para a Alameda de Amarante, após a intervenção DR

Em Janeiro, a câmara municipal de Amarante colocou em cima da mesa uma proposta de requalificação da zona da Alameda Teixeira de Pascoaes, localizada no centro histórico da cidade, com a assinatura do arquitecto Eduardo Souto de Moura, que, desde então, tem dividido opiniões entre os amarantinos. “É uma ideia fantástica e as pessoas gostaram”, diz, por um lado, o presidente da câmara. “Destruir aquele lugar não faz sentido nenhum”, diz, por outro, Fernando Matos Rodrigues, porta-voz do movimento popular Amarante, Pelo Direito à Memória, que se opõe à ideia de uma “transformação radical” do lugar por “neurose” política.

O anteprojecto de Souto de Moura “Uma ideia para Amarante”, apresentado a 18 de Janeiro na Casa das Artes da cidade, prevê uma reabilitação do Mercado Municipal – uma obra de Januário Godinho – e uma intervenção na zona da Alameda, a praça central de Amarante, através da criação de escadarias e plataformas que façam uma “ligação perfeita” entre todos os espaços daquela zona central, diz o município. Querem, então, melhorar os acessos ao próprio Mercado, ao Mosteiro e à Ponte de São Gonçalo, à zona da Alameda e às margens do rio Tâmega. A ideia é, por isso, “devolver a ‘sala-de-estar’ às pessoas”. “A Alameda, que deveria ser a nossa ‘sala-de-estar’, está transformada num parque de estacionamento”, com construções que “impossibilitam usufruir das margens do rio” e uma boa mobilização das pessoas, lamenta o autarca José Luís Gaspar.

Mercado Municipal actualmente DR
Proposta de Souto Moura para o Mercado Municipal DR
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Mercado Municipal actualmente DR

O problema, para Fernando Matos Rodrigues, é que “o programa arquitectónico muda totalmente a monumentalidade do sítio”. “É a destruição do muro, da relação monumental que existe entre a cota alta da Alameda e a cota baixa junto ao rio Tâmega e de toda a imagem cenográfica de quem vem da Ponte S. Gonçalo para a praça central”, diz. Após a apresentação do anteprojecto, o antropólogo social tornou pública a sua oposição à ideia apresentada por Souto de Moura e José Luís Gaspar. “Estamos perante uma proposta que destrói património, arrasa as marcas antropológicas e paisagísticas do lugar e desfigura a cenografia monumental da cidade”, escreve na publicação. Ao PÚBLICO, Matos Rodrigues acrescenta que pior do que destruir o lugar é “destruir uma obra de Januário Godinho”.

Na opinião do antropólogo, a questão da reabilitação desta “zona muito sensível” é, sobretudo, um “problema político”, realçando que "a qualidade do arquitecto não está em causa". “Há", no entanto, "uma tendência política em intervir em lugar consolidados, com memória estável, para deixar a marca” que o desagrada.

Mas o antropólogo garante que não está sozinho. “A minha reacção veio da conversa com uma série de amigos que estão também totalmente em desacordo com esse projecto. Há, em Amarante, um grande descontentamento”, afirma em conversa telefónica com o PÚBLICO. Conta, inclusive, que foi criada uma “comissão de homens e mulheres ligados a Amarante”, designada por Amarante, Pelo Direito à Memória, que “verifica que isto é um absurdo”.

O autarca amarantino garante que, durante a apresentação do anteprojecto do arquitecto, “onde toda a gente foi convidada”, “não houve ninguém que não gostasse da ideia”. José Luís Gaspar conta ao PÚBLICO que “a única questão que foi colocada teve que ver com o estacionamento”. Mas “eu vou tirar [da Alameda] 50 lugares e vou criar 250”, diz, referindo-se ao novo projecto de estacionamento de Amarante, “cujas obras irão arrancar ainda este ano”. “Eu não posso tirar nada sem dar contrapartida”, acrescenta.

Ainda assim, esta solução não convence Matos Rodrigues. Na opinião do antropólogo, “estamos a viver uma espécie de neurose contra as memórias da cidade”. “Faz sentido destruir uma cidade de apropriações, de memórias e relações, onde as pessoas interagem com esse lugar, com essa memória e vivência?”, questiona, insistindo que “um presidente, por muito legitimado que seja, não pode ter essa neurose de querer deixar uma marca no centro da cidade destruindo-o”.

Por isso, em Março, o movimento Amarante, pelo Direito à Memória, irá realizar assembleias populares onde estarão “especialistas da UNESCO ligados ao património, investigadores, cidadãos” e “serão convidadas todas as forças políticas”, assim como o presidente da câmara de Amarante e o arquitecto Souto de Moura, para “para discutir o projecto”, garante Matos Rodrigues.

Ao PÚBLICO, o autarca amarantino recorda que dá ouvidos “a quem está por bem e com questões que visam melhorar a ideia”. “Embora eu tenha sido eleito para tomar decisões, eu gosto de ouvir as pessoas em tudo o que tenha a ver com a cidade.” Por isso, pela altura do verão, voltará a chamar a população para discutir o projecto, diz José Luís Gaspar, corroborando com o que foi dito durante a apresentação do anteprojecto e ressalvando que “isto é uma ideia, muito longe do projecto definitivo”.

Texto editado por Ana Fernandes

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