Diário
Assisti, melancolicamente, ao Conselho Nacional do PSD. Ninguém me conseguiu dar uma boa razão para o PSD existir.
12 de Janeiro
Em Portugal não existe direita. Até Assunção Cristas é de centro-direita. Como Santana também o confessou ser e como será, promete ele, a futura maioria parlamentar, limpinha de toda a suspeita. Valha-nos Deus.
Rui Rio responde a Montenegro. Outra guerra no PSD. Por uma vez concordo com Balsemão: o discurso deste novo chefe foi “melodramático e patético”. A culpa é de Sá Carneiro, que educou o partido num insustentável extremismo emocional. Só que hoje não há razão ou explicação que o justifique.
Em 1974, 1980 ou 1985, o PSD tinha o Norte e o interior: isto é, o campesinato, a pequena indústria, e alguma classe média numa dúzia e meia de cidades e vilas. E tinha, além disso, uma elite em Lisboa e no Porto, que trabalhava nos grandes grupos económicos, na banca ou em certas partes da administração pública (a Educação, o Planeamento) e que encontrara no catolicismo militante e, sejamos justos, no marcelismo, uma oportunidade de expressão política.
As convicções dessa elite, que eram fortes e confusas, oscilavam entre a esquerda e a direita e dela vieram simultaneamente Pintasilgo e Guterres, de um dos lados, e do outro Sá Carneiro, Salgueiro, Balsemão e Marcelo. Sá Carneiro, para sobreviver durante o PREC, rebaptizou o PPD, sem entrar na Internacional Socialista. Não porque não quisesse, mas porque Soares o impediu. Começou aqui um grande equívoco. Sá Carneiro sabia que para chegar ao poder era necessária a grande massa de votos da sociedade rural. O que implicava a bênção da Igreja e a cumplicidade dos padres e das autoridades. Na missa – e assisti a muitas, na primeira fila –, os padres proibiam os fiéis de votar em partidos marxistas, como o PS. E as autoridades – que vinham do antigo regime – escoltavam pressurosamente os notáveis do PPD.
A conclusão lógica disto tudo era que a receita para unir o partido e ganhar eleições estava em arranjar um chefe agradável às duas partes, à elite vagamente “moderna” e ao Portugal arcaico que sobrevivia na província. Pior: ficou claro que o chefe podia sempre apelar para o Portugal arcaico por cima da cabeça da elite que se achava social-democrata. Foi o que Sá Carneiro fez contra os “Inadiáveis”. E o que levou Cavaco, um alto funcionário do marcelismo, a duas maiorias absolutas, com a retaguarda em ordem. Sucede que hoje esse país está em vias de extinção e que Montenegro irá apelar para o vazio.
Rui Rio é uma anormalidade sem importância, um vice-reitor do liceu de Cinfães que se enganou na porta. A direita, nesta encarnação, a de Cristas, Santana e Montenegro, nunca será capaz de recuperar os 500 mil votos que perdeu em 2015.
13 de Janeiro
A visão do mundo da Inquisidora-mor, Ana Gomes:
1. Trump eleito por uma conspiração de agentes de Putin. Se não for ele próprio um agente de Putin.
2. O "Brexit" é o resultado de uma conspiração de Putin, que envolve, pelo menos, o Facebook e a Cambridge Analytica, e também uma inexplicável loucura da aristocracia inglesa.
3. A situação da Venezuela – a inflação e a miséria – é o resultado de uma conspiração de Putin (que tem lá bases de bombardeiros) e do seu cúmplice ou agente Donald Trump (que ainda compra petróleo ao demente Maduro).
Quem dá um calmante a esta senhora?
14 de Janeiro
Definição de “populista”: político, partido ou movimento de quem a esquerda não gosta e que ganhou eleições.
15 de Janeiro
A Inglaterra do "Brexit" é horrível, não é? E a Hungria, e a Polónia, e a República Checa, e a Eslováquia, e a Itália de Salvini, e a Espanha do Vox, e a França dos “coletes”? Não são horríveis? Ou será que os europeus não querem esta Europa?
18 de Janeiro
Assisti, melancolicamente, ao Conselho Nacional do PSD. Ninguém me conseguiu dar uma boa razão para o PSD existir.