Fotografia
Em Espanha, a tourada também é para meninos
A popularidade da tauromaquia tem vindo a decrescer, tanto em Portugal como nos restantes países do mundo onde ainda é praticada — como é o caso de Espanha, França, México, Peru, Equador, ou mesmo a Índia. Ao mesmo tempo que aumenta a pressão sobre os governos no sentido da sua abolição, em Almería, no Sul de Espanha, "acredita-se que ainda existirá uma nova geração de toureiros". O fotógrafo Nikolai Linares, que se afirma, na sua conta de Instagram, "meio dinamarquês, meio colombiano", visitou a cidade espanhola e encontrou um grupo de crianças e adolescentes cujo sonho é "ver o seu nome num cartaz e receber o derradeiro tributo de ser levado em ombros pela audiência através do portão de uma das maiores corridas de Madrid".
A turma é composta por 13 rapazes. Todos treinam três vezes por semana na arena da Escuela Taurina de Almería, apesar de estarem divididos em dois grupos: um deles é destinado a meninos de 12 anos, o outro a jovens de 16. "A idade mínima para taurear é de 16 anos", esclarece o fotógrafo, em entrevista ao P3, por escrito. Por esse motivo, dois rapazes já tiveram a oportunidade de matar um touro, numa arena, numa corrida oficial. O destino de todos eles é fazê-lo — chegar às arenas e matar touros —, apesar do recente apelo do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas ao governo espanhol, datado de Fevereiro de 2018, que visa proibir a entrada de crianças em recintos touradas e a frequência de escolas de tauromaquia, à semelhança do que aconteceu em Portugal, em Fevereiro de 2014.
"O tema das touradas é complexo", constata Linares, que recebeu o terceiro prémio da categoria de Desporto no concurso World Press Photo, em 2017, com o projecto The Boys and the Bulls. Decidiu, por isso, abordá-lo de uma perspectiva diferente da habitual. "Não quis explorar a tourada, a ideia do toureiro que enfrenta o temível touro e o derruba. Achei que mostrar um touro a ser morto deixaria as pessoas angustiadas; em vez disso decidi focar-me as crianças, ouvi-las. Quero que as pessoas olhem para esta história, não que se recusem a olhar."
A atmosfera que se vive no interior da escola tauromáquica é boa, descreve o fotógrafo. "Em muitos sentidos, estamos perante uma actividade semelhante a um desporto. Não há grandes diferenças." Nos treinos de Manuel Ruiz, o ex-toureiro profissional que lecciona na Escuela Taurina de Almería, os touros têm rodinhas. Não há touros verdadeiros. "Os meninos vivem fascinados pelos seus heróis que, por vezes, taurearam na arena onde treinam." E muitos pais, garante, esperam que os filhos encontrem outros interesses, uma vez que a tauromaquia é uma actividade de risco. Não é por acaso que as técnicas de reanimação fazem parte do currículo. "Eles sabem que, no pior cenário possível, se cometerem um erro na arena, podem morrer", sublinha. "Mas como nunca enfrentaram um animal real, a sua noção [do perigo] é abstracta."
Apesar de não ter conversado com os alunos sobre a violência inerente à prática da tauromaquia, eles têm noção de que "muitas pessoas estão contra as touradas". "Mas todos, sem excepção, crêem que as pessoas que se opõem não têm conhecimento suficiente sobre o assunto. Alegam que os touros usados para as touradas têm uma vida muito melhor do que aqueles que são usados para produção de carne." Segundo informação obtida por Linares, em Espanha, os primeiros desfrutam de quatro anos de liberdade antes de entrarem na primeira corrida; os segundos vivem entre um ano e meio e dois antes de serem abatidos.
O fotógrafo — distinguido, ao longo dos anos, nos concursos Sony World Photography Awards, PX3, e POY International — está convencido de que existe uma ligação entre a prática da tourada e os conceitos de virilidade e masculinidade. A ausência de aprendizes do sexo feminino é um indício disso mesmo. "Não vi nenhuma menina [na escola], mas nunca disseram que as meninas não podiam entrar. Sei até que uma filha de um dos instrutores também treinou, mas perdeu o interesse e acabou por desistir. Um dos meninos tinha, em casa, um cartaz de uma mulher torero. Elas existem, mas estão em esmagadora minoria."
Linares gosta ou apoia a tauromaquia? "Devo dizer que todo o ambiente me fascina. A história, os trajes, a arena... Conheci rapazes muito simpáticos que apenas tentam realizar os seus sonhos", responde. "Eu consigo relacionar-me com isso. Mas sinto que os tempos mudaram e talvez seja a altura de remeter as touradas para o passado. É difícil manter uma cultura de morte na época em que vivemos. Assim sendo, creio que as touradas dificilmente poderão perdurar."