Sabia que, em Portugal, a cada oito horas um cidadão é infetado por VIH?
A boa notícia é que é possível transformar Portugal num país sem epidemia de VIH. A arma mais económica e eficaz nesta luta é a prevenção.
De acordo com o último relatório conjunto da DGS/INSA, no ano de 2017 foram diagnosticados 1068 novos casos de infeção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), valor que deverá ser expectavelmente superior devido aos atrasos de notificação. Estamos a falar de cerca do dobro da média europeia, sendo que mais de metade das novas infeções foram diagnosticadas já em fase avançada da doença.
Estes dados demonstram que continuamos a precisar de medidas inovadoras se queremos acabar com a epidemia do VIH antes de 2030. Uma das abordagens com maior potencial é o diagnóstico precoce. O conhecimento e a informação fazem toda a diferença, pois permitem a proteção e o tratamento adequados, com potencial supressão virológica, limitando novas transmissões e interrompendo o ciclo de infeções. Foi com esta visão, que colocava o rastreio no centro das prioridades, que, em 2018, se procedeu à aprovação da legislação que veio permitir a realização de testes rápidos para o VIH nas farmácias, sem necessidade de prescrição médica, transformando-se assim num dos maiores aliados do SNS neste combate. Os resultados preliminares são muito positivos, sendo agora exigível a sua célere generalização a todo o país.
Mas o passo fundamental nesta política, inspirado nas melhores práticas internacionais, foi a pioneira mudança legislativa que legalizou a disponibilização de auto-testes VIH nas farmácias. Após anos de discussão, sublinha-se a determinação do Governo, suportado pelas instituições do Ministério da Saúde e apoiado pelas Ordens dos Farmacêuticos e dos Médicos, associações das farmácias e do Fórum Nacional da Sociedade Civil para o VIH/Sida, Tuberculose e Hepatites Virais.
Se, até então, um cidadão não podia adquirir um teste para o VIH na farmácia e realizá-lo em casa, podendo de forma simples esclarecer dúvidas e ser orientado para os serviços de saúde, essa limitação terminou. O Decreto-Lei publicado a 15 de outubro está alinhado com as recomendações da ONUSIDA e segue as orientações da Organização Mundial da Saúde, que reconhecem que o autoteste VIH é uma forma de chegar a mais pessoas, permitindo a autonomia do utente. Assim, impõe-se a disponibilização direta destes dispositivos, em farmácias comunitárias, importantes pela sua acessibilidade e proximidade, acompanhada de aconselhamento pré e pós teste, designadamente quanto à sua utilização, as medidas a tomar em função do resultado e informação sobre prevenção, assegurando a referenciação dos casos reativos para os hospitais do Serviço Nacional de Saúde.
Esta opção visa ainda combater o estigma e terminar com a discriminação, tal como aconteceu quando há 20 anos o Programa Troca de Seringas foi iniciado. Importa operacionalizar esta medida, não desperdiçando a oportunidade de detetar mais precocemente novos casos. Toda a estratégia foi trabalhada para que esta realidade fosse possível ainda durante o ano de 2018. Não havia, e não há, tempo a perder. Com as questões legais e técnicas asseguradas, não pode faltar empenho político para a sua efetiva concretização.
A boa notícia é que é possível transformar Portugal num país sem epidemia de VIH. A arma mais económica e eficaz nesta luta é a prevenção. O desconhecimento e a ignorância são a base para o crescimento da epidemia. Não podemos perder uma única oportunidade para testar e travar o ciclo da transmissão, concedendo uma oportunidade real às pessoas.
A defesa do SNS não pode passar por afirmações teóricas ou marcadas pela ideologia, mas antes por ações concretas. Entre defender os mais de 200 milhões de euros de despesa anual com a indústria farmacêutica em medicamentos antirretroviricos ou proteger os cidadãos, não pode haver hesitações.
No dia de hoje, três cidadãos em Portugal serão infetados por VIH. Poderíamos ter feito mais para o evitar? O relógio não pára...
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico