Ordenamento florestal: mais eucalipto por que porta?
Temos hoje um instrumento de ordenamento para o futuro da floresta que usou em 2018 informação com 13 anos.
De Portugal aos Estados Unidos, no esteio dos incêndios catastróficos de 2017 e 2018, fala-se cada vez mais de ordenamento florestal. Enquanto para Trump o ordenamento passa por “limpar o chão das florestas”, como fariam na Finlândia, em Portugal o ordenamento tem tropeçado ao sabor de múltiplos interesses. Não nos enganemos, a floresta no território tem um peso decisivo para o nosso futuro, os sistemas agro-florestais são fundamentais no combate às alterações climáticas e ao despovoamento; as árvores têm forte impacte na produção agro-alimentar, entre outros, em pequenos bosquetes para a protecção dos polinizadores, ou em cortinas de abrigo protegendo as culturas agrícolas do vento cada vez mais intenso.
A Lei de Bases da Política Florestal, de 1996, criou os Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF), que só veriam a luz do dia dez anos depois. Esta primeira geração de PROF, aprovada em 2007, dividia o país num total de 21 regiões plano. Usou como informação de base o 5.º Inventário Florestal Nacional, realizado em 2005. Este inventário serviu também de base à Estratégia Nacional para a Floresta, aprovada em 2006.
Nos PROF de primeira geração, das 21 regiões plano, apenas duas definiam metas para expansão da área ocupada por eucalipto (Barroso-Padrela e Pinhal Interior Sul), uma estabelecia a manutenção (Douro) e as restantes 18 determinavam a contracção da sua área.
Estas metas foram suspensas em Fevereiro de 2011 pelo 2.º Governo Sócrates, a par da atribuição de apoios à fábrica da Mitrena, em Setúbal. A suspensão transitou para o governo seguinte, quando também entrou em vigor a “lei do eucalipto”. O actual Governo previa no seu programa a revogação desta lei – demorou quase dois anos a cumprir o que poderia ter feito em dois meses. A proibição da expansão de área de eucalipto acabou por ser decidida no Parlamento, após os trágicos acontecimentos de Junho de 2017.
Por sua vez, a Estratégia de 2006, actualizada em 2015, definia para 2030 a mesma meta de eucalipto inventariado em 2010, ou seja, 812 mil hectares. Todavia, desde 2010 a área desta espécie exótica tem vindo a aumentar, sendo já estimada acima dos 900 mil hectares. Desde 2010, surge como a principal espécie arbórea em área no país.
O actual Governo decidiu avançar com uma segunda geração de PROF, cujo período de discussão pública encerrou no passado mês. Curiosamente, apesar de ter sido realizado um 6.º Inventário Florestal em 2010, a informação que serviu de base para os novos PROF foi, essencialmente, a do inventário de 2005.
Assim sendo, temos hoje um instrumento de ordenamento para o futuro da floresta, com incidência nos Planos Directores Municipais, que usou em 2018 informação de campo com 13 anos, apesar da desflorestação em curso, das extensas áreas ardidas em 2015, 2016 e 2017 e da crescente abundância de espécies exóticas no território, em modo desordenado e epidémico (mais de 700 mil hectares de Eucalyptus globulus).
O que terá acontecido aos dados finais do 6.º Inventário Florestal Nacional? Até agora, só foram tornados públicos os preliminares (em 2013).
A segunda geração de PROF foi agora definida, não para as 21 regiões plano originais de 2007, mas sim para sete grandes regiões plano, respondendo ainda menos à diversidade territorial, climática, biológica e paisagística do nosso território.
Destas sete regiões, em três – Centro Litoral, Lisboa e Vale do Tejo e Alentejo – são definidas metas de expansão para a área de eucalipto, revertendo o ordenamento florestal aprovado em 2007!
Em conclusão: após uma racional e participada decisão de contracção da área de eucalipto tomada em 2007 e suspensa em 2011, apesar da meta definida para 2030 e da decisão parlamentar de travar a expansão em 2017, o que assistimos em 2018 é a uma tentativa de impor metas de expansão da área de eucalipto. Pode-se assim constatar o grau de sucesso dos arquitectos da eucaliptização de Portugal, concretamente quanto ao seu poder de contaminação das decisões políticas.
Portugal não precisa refundar a sua política florestal. Na verdade, como em outros domínios, as leis de base como a que foi aprovada para a floresta em 1996 dispõem de adequadas medidas de ordenamento e de gestão territorial. Mas o enorme poder dos interesses em presença – em especial do “lobby” das celuloses – contribui para adulterar em cada oportunidade o ordenamento das florestas em detrimento do bem comum.