Igreja Ortodoxa Ucraniana oficializa afastamento do patriarcado de Moscovo
Cerimónia em Kiev este sábado cria uma nova igreja ucraniana e põe fim à subordinação face a Moscovo, que dura há mais de 300 anos. Poroshenko celebra "dia sagrado" na história do país.
A Igreja Ortodoxa Ucraniana abandonou em definitivo a tutela do patriarcado de Moscovo, fundando uma nova denominação que põe fim a uma ligação de mais de três séculos à Igreja Ortodoxa Russa. A decisão, que foi oficializada este sábado num sínodo em Kiev, é histórica, religiosa, mas sobretudo política.
Uma multidão de crentes, empunhando bandeiras ucranianas, concentrou-se este sábado de manhã à frente da Catedral de Santa Sofia, em Kiev, enquanto chegavam os bispos e sacerdotes que vão participar na cerimónia de criação da nova igreja, que será chefiada pelo metropolitano Epifanii, do patriarcado da capital ucraniana.
O Presidente Petro Poroshenko disse tratar-se de um dia histórico, apenas comparável ao referendo que em 1991 decretou a independência do país. "Este dia irá ficar na História como um dia sagrado, o dia da independência final da Rússia", declarou Poroshenko perante uma multidão que gritava "glória", descreve a Reuters. "A Ucrânia não irá mais beber, nas palavras de Taras Shevchenko, 'o veneno de Moscovo da taça de Moscovo'", disse o líder ucraniano, citando o principal poeta do país.
Em Moscovo, onde está sedeada a Igreja Ortodoxa Russa, a que reúne mais fiéis e é a mais influente do mundo ortodoxo, denuncia-se um “cisma” e a interferência da política no campo religioso.
A saída definitiva da Igreja Ortodoxa Ucraniana da égide do patriarcado de Moscovo consuma um conflito surdo que se arrastava desde o colapso da União Soviética e que se agudizou com o conflito militar no Leste ucraniano. Desde 1686 que a Igreja Ortodoxa Ucraniana se encontrava subordinada à Igreja Ortodoxa Russa, que com a perda progressiva de influência do patriarcado de Constantinopla, em Istambul – berço histórico e espiritual da religião – passou a disputar com ele a chefia da Ortodoxia mundial.
A soberania do patriarcado de Moscovo sobreviveu à dissolução da União Soviética, embora tenha passado a ter que dividir fiéis e paróquias com as igrejas nacionais que foram criadas. A Ucrânia assume uma importância crucial para o patriarcado de Moscovo, que tem naquele país um terço das suas paróquias e 30 milhões de fiéis.
Moscovo corta com Constantinopla
Em Outubro, o patriarcado de Constantinopla autorizou que a Igreja Ortodoxa Ucraniana avançasse para a independência em relação a Moscovo, levando o patriarca russo, Cirilo, a anunciar um corte de relações com Constantinopla.
O fim da dependência religiosa face a Moscovo corresponde ao desejo dos líderes políticos ucranianos, que desde as manifestações de 2013-14, que levaram à queda do Presidente Viktor Ianukovitch, tudo têm feito para afirmarem a sua independência nacional.
Mas é também uma vitória para o patriarca de Constantinopla que desta forma ganha um poderoso aliado na disputa com Moscovo para voltar a assumir a liderança de facto da Ortodoxia mundial.
Nos últimos dias, o patriarca de Moscovo, Cirilo, desdobrou-se em apelos junto da ONU, do Papa Francisco e do líder da Igreja Anglicana, para que intervenham. “A interferência dos líderes do Estado secular ucraniano nos assuntos religiosos tornou-se numa pressão inaceitável junto do episcopado e dos clérigos da Igreja Ortodoxa Ucraniana, que nos permitem falar do início de perseguições em larga escala”, escreveu Cirilo.
Um dos receios de Moscovo é que as autoridades ucranianas invadam à força igrejas e mosteiros no país que se mantenham fiéis à Igreja Ortodoxa Russa. Nas últimas semanas, os serviços secretos ucranianos organizaram várias buscas a catedrais e igrejas ligadas ao patriarcado de Moscovo, com o intuito de desmantelar planos para perturbar a cerimónia deste sábado, segundo a Reuters.
O padre principal da Catedral da Natividade, que obedece a Moscovo, o arcebispo Anatolii, garantiu que não irá reconhecer a legitimidade da nova igreja. "Isto não é um conselho, isto é um bando de bandidos que se juntaram para tomar os templos e destruir a igreja", disse à Al-Jazira.
Os serviços secretos ucranianos receiam que a Rússia tenha planeado "provocações" para os próximos dias para desestabilizar a cerimónia e deixou apelos para que não sejam organizadas acções de cariz político.