Deputados terão que confirmar a sua presença no computador no plenário

Fernando Negrão defende que só pode "sensibilizar" os deputados para "cumprirem regras" e recusa punição. Responsabilização tem que ser feita pelos eleitores, acrescenta. Serviços da AR vão criar forma de os deputados confirmarem que estão a registar a sua presença.

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Rui Gaudencio

Para prevenir eventuais registos inadvertidos de presença de deputados nos plenários da Assembleia da República, os parlamentares passarão a ter que fazer a confirmação da sua presença no sistema informático. Esta é a decisão de base para tentar contornar situações como a que levou a deputada do PSD Emília Cerqueira a, como a própria justificou depois, marcar "inadvertidamente" a presença do deputado José Silvano numa reunião plenária quando o secretário-geral do PSD se encontrava numa iniciativa partidária em Bragança com Rui Rio. Cerqueira acedeu à área de trabalho de Silvano com a password deste que conhecia - tal como acontece com outros deputados do PSD, afirmou na altura. 

A solução foi levada nesta quarta-feira à conferência de líderes extraordinária pelo presidente da Assembleia da República (PAR) Eduardo Ferro Rodrigues. A reunião fora convocada para falar sobre os casos espinhosos do pagamento de viagens e da marcação de presenças nos plenários e todos os partidos concordaram com esse reforço da responsabilização dos deputados.

Não estão ainda decididos os termos em que essa confirmação deverá ocorrer em termos técnicos, mas a hipótese mais forte é que os deputados passem a usar o username e password para aceder à sua área de trabalho pessoal e tenham que fazer um registo extra para marcar a presença no plenário que lhes dá acesso a um subsídio de presença.

Tanto a questão do reforço da identificação dos deputados como a análise e revisão das regras em vigor na Assembleia da República para o pagamento das deslocações dos parlamentares para a sua residência serão matérias para discutir no novo grupo de trabalho que a conferência de líderes decidiu criar por sugestão de Ferro Rodrigues e da administração do Parlamento. Este grupo deverá ser constituído na próxima semana e apesar de não ter prazos para apresentar trabalho, o presidente da AR já avisou que quer mudanças efectivas nos pagamentos ainda nesta legislatura.

A forma de fazer a tal confirmação de presença no plenário terá causado alguma confusão entre alguns deputados presentes na reunião já que o líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, explicou aos jornalistas que esse controlo extra seria feito com o cartão de deputado - usado, por exemplo, para as votações electrónicas que o regimento exige - mas os deputados que compõem a mesa da conferência de líderes explicaram depois que nunca foi falada a utilização do cartão.

Fernando Negrão fez até questão de salientar que o cartão é mais "pessoal e intransmissível" que a password pessoal de cada deputado.

"Problema é mais ético que técnico"

Embora concordem com o reforço dos procedimentos e da responsabilização dos deputados, há partidos que avisam que não há tecnologia suficiente que resolva o problema, como fizeram questão de realçar aos jornalistas o ecologista José Luís Ferreira - a questão "é mais ética do que técnica" - e o centrista Nuno Magalhães - "o problema não está no modelo nem no sistema (porque não são infalíveis nem perfeitos) mas no bom ou, neste caso, no mau uso que lhe é dado".

Foi afastada na reunião a utilização de quaisquer dados biométricos, contou José Luís Ferreira. Os deputados não concordam com essa medida e Eduardo Ferro Rodrigues também não.

O bloquista Pedro Filipe Soares admite ser necessário ir além do modelo actualmente usado porque este "provou estar desadequado e desactualizado", mesmo havendo já a possibilidade de validação da presença com o cartão de deputado. "É certo que há uma vertente de responsabilidade individual dos deputados e, por isso, em qualquer modelo, se não houver uma responsabilidade individual ele tem sempre um patamar de falibilidade", avisa o líder parlamentar do Bloco.

 O socialista Pedro Delgado Alves salienta que o instrumento de verificação de presença a criar não deve deixar "espaço para manipulação ou para fraude"; e o comunista António Filipe considera que a solução apontada parece ser um "método razoável e responsabilizante".

Fernando Negrão recusa punir os seus deputados; apenas pode "sensibilizar"

Ora, a questão da responsabilização esteve presente nas afirmações de todos os deputados aos jornalistas. Tal como esteve na declaração que Eduardo Ferro Rodrigues lhes fez na conferência de líderes. Nessa altura, o PAR apontou que houve "irregularidades" cometidas pelos deputados ao fazerem "registo de presenças falsas" e defendeu que "se exige mais responsabilidade e responsabilização individual (de cada deputado) e colectivas (de cada grupo parlamentar) sancionando as irregularidades".

Mas Fernando Negrão, líder da bancada do PSD, não está disposto a sancionar os seus deputados com registos falsos.

"Há uma relação sagrada entre o deputado e o eleitor, há uma relação sagrada no exercício individual do seu mandato conforme diz a Constituição. Por isso, a responsabilização que o grupo parlamentar pode fazer é de sensibilização do deputado e de chamar a atenção dos deputados que tenham cometido infracções ou irregularidades desta natureza", defendeu-se Fernando Negrão perante os deputados.

E acrescentou: "O grupo parlamentar não é uma empresa nem um órgão administrativo ou executivo e por isso não pode ir além disto."

Questionado pelos jornalistas sobre se tenciona punir de alguma forma estes deputados, Negrão argumentou que essa "não é matéria que caiba no conselho de jurisdição [do partido]", mas acrescentou que isso "não quer dizer que não possa ser estudada a possibilidade de isso acontecer". Tendo em conta a intenção de Rui Rio de trazer um "banho de ética" à política, essa é uma questão que talvez Negrão não queira afastar.

O que resta então a Fernando Negrão fazer? "O trabalho que a liderança parlamentar pode fazer é só um: o de sensibilização dos deputados relativamente às suas responsabilidades." Porque, vinca "há um ponto crucial que é o da responsabilidade individual de cada deputado. Cada deputado tem que assumir de uma vez por todas que tem responsabilidades perante os eleitores. E essas responsabilidades devem ser cumpridas."

Negrão lembrou que a Constituição diz que "o exercício do mandato de deputado é individual e essa é uma regra sacrossanta no funcionamento da democracia e de qualquer Parlamento no mundo." A punição ou responsabilização não cabem ao partido ou ao líder parlamentar, "cabe, em primeiro lugar, ao deputado, e, em segundo, ao eleitor".

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