O testamento de Buíça, o homem que matou o rei D. Carlos

Os arquivos pessoais entregues à Fundação Mário Soares são de valor inimaginável. Parte do espólio de Afonso Costa, um dos mais polémicos dirigentes da I República, está lá guardado

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Miguel Manso

Está historicamente provado que Manuel Buíça, o homem que assassinou o rei D. Carlos, sabia que ia ser morto. O seu testamento é um documento impressionante e faz parte do espólio de Aquilino Ribeiro Machado que está à guarda da Fundação Mário Soares. Aquilino Ribeiro Machado foi o primeiro presidente da Câmara de Lisboa a seguir ao 25 de Abril e é filho do escritor Aquilino Ribeiro que era padrinho de um filhos de Buíça.

Transcreve-se o testamento de Buíça, tal como pode ser lido: "Sou natural de Bouçoaes, concelho de Valpassos districto de Villa Real (Traz-os-Montes), fui casado com D. Herminia Augusta da Costa Buiça (...) Viúvo, ficaram-me de minha mulher dois filhos a saber: Elvira que nasceu em 19 de dezembro de 1900 (...) e que não está ainda baptisada nem registada civilmente por motivos contrarios da minha vontade; e Manuel que nasceu em 12 de Setembro de 1907 nas Escadinhas da Mouraria numero quatro, quarto andar, esquerdo e foi registado na administração do primeiro bairro de Lisboa no dia onze de outubro do anno acima referido. Foram testemunhas do acto Albano Jose Correia, casado empregado no commercio e Aquilino Ribeiro, solteiro, publicista. Ambos os meus filhos vivem comigo e com a avó materna nas Escadinhas da Mouraria n. 4, 4.º andar, esquerdo. Minha familia vive em Vinhaes para onde se deve participar a minha morte ou o meo desapparecimento caso se deam. Meus filhos ficam pobrissimos; não tenho nada que lhes legar senão o meu nome e o respeito e compaixão pelos que soffrem. Peço que os eduquem nos principios de liberdade, egualdade e fraternidade em que eu comungo e por causa das quaes ficarão, porventura, em breve, orfãos". O testamento de Manuel Buíça, entregue ao escritor Aquilino Ribeiro, é datado de 28 de Janeiro de 1908. O regicídio acontece quatro dias depois, a 1 de Fevereiro.

Os arquivos pessoais entregues à Fundação Mário Soares são de valor inimaginável. Parte do espólio de Afonso Costa, um dos mais polémicos dirigentes da I República, está lá guardado - e também digitalizado. Há correspondência de Afonso Costa com Bernardino Machado (que foi chefe de Estado na I República), bilhetes pessoais trocados com a mulher, a participação na Conferência de Paz em 1919, excerto de uma conferência realizada em Agosto de 1912 sobre a lei de Separação da Igreja do Estado, de que Afonso Costa foi o principal impulsionador, etc.

Também faz parte do espólio o arquivo de Bernardino Machado, do matemático comunista Bento de Jesus Caraça, dos fundadores do PS Joaquim Catanho de Menezes, Francisco Ramos da Costa, Sottomayor Cardia, entre muitos outros.

O caso do arquivo de Amílcar Cabral (ver texto ao lado) acabou na Fundação Mário Soares por uma questão de emergência.  Em 1999, durante um conflito na Guiné-Bissau, a sede do PAIGC, onde estava o arquivo de Amílcar Cabral, é assaltada e bombardeada. A pedido das autoridades locais, Alfredo Caldeira, responsável pelo arquivo da Fundação Mário Soares, apanha um avião para Bissau para tentar salvar o que restava dos documentos do líder histórico da luta pela independência. "Uma operação quase clandestina", chamou-lhe Alfredo Caldeira, que relatava que "algumas fotografias foram apanhadas às pazadas do chão". A fundação deslocou uma equipa para digitalizar os documentos com o apoio das filhas de Amílcar Cabral. Durante muitos anos, a Fundação também foi depositária do arquivo da história de Timor-Leste, que entretanto foi entregue às autoridades timorenses.

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