Sundance 2019 vai de Harvey Weinstein a Dilma Rousseff
Festival de cinema independente fundado por Robert Redford apresentou o seu alinhamento de longas-metragens. Quarenta por cento dos filmes são realizados por uma ou mais mulheres.
“Estratificado, intenso e autêntico”; “fortemente político”. O alinhamento do Festival de Sundance de 2019 é assim descrito pelo seu director e pela revista Hollywood Reporter, respectivamente. As contas pesam muito na apresentação dos 112 filmes para já conhecidos para mostrar diversidade, mas os temas pesam também para falar da América, e do mundo, através de filmes sobre escândalos ou jovens fenómenos políticos como Alexandria Ocasio-Cortez, serial killers, apresentadores de talk shows, Harvey Weinstein, Dilma Rousseff ou o mundo da arte.
Native Son, que adapta e re-imagina o livro homónimo de 1940 de Richard Wright, é realizado por Rashid Johnson e é um dos títulos que se destaca numa competição americana que também inclui Honey Boy, de Alma Har’el, protagonizado por Shia LaBeouf, sobre a relação de uma criança que trabalha como actor e o seu pai, Brittany Runs a Marathon, de Paul Downs Colaizzo, sobre uma adolescente e a sua conquista de Nova Iorque,
Estreiam-se Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile, sobre o assassino em série Ted Bundy contado pelo realizador Joe Berlinger e através dos olhos da namorada de Bundy, e que tem o ídolo adolescente Zac Effron como protagonista, ou o aguardado The Report, com Annette Bening e Adam Driver, sobre a investigação do Senado durante a era Bush e as detenções de suspeitos de terrorismo. Them That Follow, com Olivia Colman numa igreja dos Apalaches a ser dirigida por Britt Poulton e Dan Madison Savage, é outro destaque da competição americana.
Na competição de documentários made in USA um filme que terá a atenção da imprensa será seguramente Untouchable, de Ursula Macfarlane, sobre a ascensão e queda do distribuidor e produtor Harvey Weinstein, sinónimo da eclosão do movimento #MeToo, acompanhado de perto por The Great Hack, de Karim Amer e Jehane Noujaim, sobre o uso dos dados como arma no mundo pós-Cambridge Analytica/Facebook.
Entre os documentários há ainda filmes como Ask Dr. Ruth, sobre a sexóloga de 90 anos que é um rosto da cultura pop americana, realizado por Ryan White, ou Where’s My Roy Cohn?, sobre o advogado que influenciou Donald Trump. Este último integra a competição de documentário americano que também inclui Knock Down the House, de Rachel Lears, que acompanha três candidatas sem uma carreira política estabelecida ao Congresso dos EUA e que conta com a candidata rapidamente mediática Alexandria Ocasio-Cortez. Na competição documental internacional há ainda um filme, da autoria da brasileira Petra Costa (uma das realizadoras de Olmo e a Gaivota) mais ainda sem título, sobre o impeachment de Dilma Rousseff no Brasil.
A organização evidenciou bastante os seus números ao apresentar na quarta-feira o alinhamento de longas (as séries de TV independentes, as curtas e cinema experimental serão divulgadas nos próximos dias, segundo o New York Times) e a imprensa colheu essas contas: Sundance 2019 escolheu 112 longas-metragens a partir de 14.259 candidaturas, um aumento de 6% em relação ao alinhamento de 2018, e continua a destacar-se como palco para o cinema independente ou de médio orçamento que lança anualmente um punhado de obras para o mainstream e para a temporada de prémios.
Ajudando alguns filmes e jovens realizadores a encontrar os seus públicos, 40% das longas que exibirá (45 filmes) foram realizadas por uma ou mais mulheres, 36% por não brancos e 13% por realizadores que se identificam como parte da comunidade LGBTQIA. Há cinema de 33 países e a revista Variety não perde a oportunidade para lembrar que os dois grandes festivais europeus, Cannes e Veneza, não se saem tão bem na aritmética da diversidade – Veneza teve uma única realizadora para competir pelo Leão de Ouro (Jennifer Kent) e Cannes seleccionou três mulheres cineastas (Nadine Labaki, Alice Rohrwacher e Eva Husson).
Na edição de Sundance, nove realizadoras concorrem pelo prémio máximo de Park City. “Procuramos sempre a paridade”, disse à Variety Kim Yutani, directora de programação do festival, mas “procuramos pelos filmes antes de sabermos quem os fez”, pelo que o resultado “foi completamente orgânico”. Para o director do festival, tal explica-se porque os festivais focados no cinema de autor tendem a reproduzir as disparidades sociais há muito entranhadas, e “em Sundance, o nosso foco é a descoberta. Veneza raramente [tem] primeiras obras e só isso dá percentagens diferentes”, diz John Cooper à revista.