Democrata, latina, 29 anos: a improvável e histórica vitória política de Alexandria
Protagonizou um terramoto político nas primárias do Partido Democrata e é agora a mulher mais nova a chegar à Câmara dos Representantes. Pede medidas como o fim das propinas no ensino superior e um sistema de saúde para todos.
“Não é suposto que mulheres como eu concorram a cargos políticos”, dizia Alexandria Ocasio-Cortez, na altura com 28 anos, num dos vídeos de campanha para as primárias do Partido Democrata nos Estados Unidos, num círculo eleitoral de Nova Iorque. Jovem, latina, apoiada pela classe trabalhadora, abertamente de esquerda, candidatou-se às primárias do Partido Democrata num círculo eleitoral onde mais de metade da população é negra ou latina, para introduzir no debate as questões que preocupam as comunidades das quais faz parte, com uma promessa de mudança.
Nesta terça-feira, 6 de Novembro, as eleições intercalares confirmaram a recompensa por desafiar as expectativas: aos 29 anos, Alexandria Ocasio-Cortez tornou-se a mulher mais nova a ser eleita para o Congresso norte-americano. E tomará posse num momento em que, pela primeira vez na história, a Câmara dos Representantes tem cem mulheres entre os seus 435 deputados. Nestas eleições, os democratas reconquistaram a Câmara dos Representantes; os republicanos, por sua vez, aumentaram a maioria no Senado.
Formada em Economia e Relações Internacionais pela Universidade de Boston, Ocasio-Cortez trabalhava ao balcão num bar em Manhattan quando decidiu concorrer às eleições. A mãe, porto-riquenha, é empregada de limpeza; o pai faleceu há uma década, quando a crise económica eclodia, o que levou Alexandria a ter que trabalhar em bares e restaurantes para ajudar a família. Era uma jovem politicamente activa: já tinha participado na campanha presidencial de Bernie Sanders, trabalhou com o senador Ted Kennedy, foi directora de educação no Instituto Nacional Hispânico. Mas nunca tinha concorrido a eleições.
Nas primárias do Partido Democrata do 14.º círculo eleitoral de Nova Iorque, a jovem latina do Bronx derrotou Joseph Crowley, um congressista branco bem estabelecido de Queens, que não tinha concorrente às primárias desde 2004. Joe Crowley, 56 anos, era apontado como um possível sucessor de Nancy Pelosi na liderança da bancada democrata na Câmara dos Representantes. Agora, a democrata arrecadou 78% dos votos no seu distrito eleitoral, batendo o republicano Anthony Pappas.
“É isto que acontece quando pessoas comuns se unem e percebem que, colectivamente, as nossas acções são poderosas, valem a pena, são capazes de trazer mudanças duradouras”, afirmou no discurso de vitória, na noite de terça-feira (madrugada em Portugal). Ocasio-Cortez fala no movimento que levou à sua vitória: “Não uma campanha ou um dia de eleições, mas um movimento por justiça social, económica e racial.”
Acusada de populismo por alguns comentadores da direita, a candidata não se acanha no discurso claramente à esquerda — não apenas da maioria do seu partido, mas mesmo de Bernie Sanders. Durante a campanha, Alexandria Ocasio-Cortez pedia a abolição do Immigration and Customs Enforcement (ICE), a agência de investigação do Departamento de Segurança Interna, e das propinas no ensino superior, apoiando o sistema de saúde Medicare For All, segurança e garantias para os funcionários públicos.
Neste ciclo eleitoral, contudo, a onda progressista não se ficou por Nova Iorque. Os democratas norte-americanos destacaram-se pela eleição massiva de jovens, muçulmanos e representantes de diferentes etnias e contextos sociais, particularmente nas zonas urbanas.
Uma mudança política que corre mais célere nas redes sociais do que nos meios tradicionais. A candidatura às primárias de Ocasio-Cortez, por exemplo, passou ao lado de muitos jornais: não eram muitos os jornalistas na sua sede de campanha quando se soube da vitória, alguns jornais não tinham sequer fotos da candidata durante a campanha. O New York Times destacava na sua página um perfil com o título "Quem é Alexandria Ocasio-Cortez", actualizado posteriormente para “Uma democrata de 28 anos destruidora de gigantes”. A resposta foi dada nas urnas: primeiro nas eleições primárias, agora nas intercalares. Em Nova Iorque e um pouco por todo o país.