Três cientistas em Portugal recebem 6,35 milhões de euros em bolsas europeias
História, nanotecnologia e neurociências são as áreas financiadas em Portugal. O cientista português Pedro Carvalho, que está na Universidade de Oxford (Reino Unido), também recebe dois milhões de euros.
Esta quinta-feira foi anunciada mais uma leva de bolsas de consolidação do Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla em inglês). Para cientistas em Portugal, vêm cerca de 6,35 milhões de euros. Há ainda um cientista português na Universidade de Oxford (Reino Unido) que recebe uma bolsa de aproximadamente dois milhões de euros.
Ao todo, 291 cientistas (entre 2389) a meio da carreira na Europa recebem financiamento. Os 573 milhões de euros destas bolsas são distribuídos por 21 países e 40 nacionalidades. No topo da lista está o Reino Unido (recebe 55 bolsas), seguido da Alemanha (38) e França (32).
Ambiente social na estratégia defensiva
Marta Moita, que lidera o Laboratório de Neurociência Comportamental do Centro Champalimaud (em Lisboa), recebe dois milhões de euros para aprofundar o seu trabalho sobre bases neuronais dos comportamentos defensivos. Há cinco anos, a investigadora tinha sido premiada com uma bolsa de arranque do ERC. Nessa altura, como indica um comunicado da Fundação Champalimaud, “pouco se sabia sobre as variáveis e os mecanismos cerebrais que levam os indivíduos a optar por uma estratégia defensiva específica numa dada instância.”
Qual foi a sua abordagem? Perceber através da mosca-da-fruta como o cérebro faz para escolher comportamentos defensivos – fugir, lutar ou imobilizar-se – perante uma ameaça. Por exemplo, num estudo publicado este ano na revista Nature Communications, Marta Moita e a sua equipa mostraram que a escolha entre fugir ou paralisar-se pode depender da nossa posição no momento em que o perigo surge. Nesse mesmo trabalho, identificaram dois neurónios com um papel determinante na execução da melhor estratégia defensiva a adoptar.
O que farão com a nova bolsa? “Moita e a sua equipa vão dedicar-se a perceber o contributo do ambiente social e espacial na escolha da estratégia defensiva, bem como identificar circuitos cerebrais que processam as informações relevantes e executam as decisões”, refere-se no comunicado.
“Este projecto fornecerá uma compreensão abrangente do mecanismo de imobilização e da sua modulação pelo ambiente, da escala do neurónio à do comportamento. Esperamos encontrar princípios de organização que possam ser generalizados a outras espécies como aconteceu com os sistemas olfactivo e visual de insectos e mamíferos”, acrescenta Marta Moita. A cientista adianta que usará a bolsa para recrutar investigadores e adquirir equipamentos para fazer experiências comportamentais adicionais, assim como ferramentas para medir a actividade dos neurónios da mosca-da-fruta.
Dos Estados Unidos para Braga
Por causa desta bolsa, o italiano Antonio Ambrosio vem da Universidade de Harvard (nos Estados Unidos) para o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), em Braga. O cientista vai ter 2,75 milhões de euros para criar uma metassuperfície polimérica com uma combinação única de qualidades. Possíveis usos vão desde a imagiologia médica, segurança, controlo de qualidade até a experiências de realidade aumentada.
“O material pode reconfigurar-se a si próprio para compensar a distorção da luz em superfícies como a pele humana, assim como ajustar na imagem diferentes químicos em tempo real”, lê-se na informação enviada pelo INL. “E, o mais importante, pode fornecer imagens quimicamente seleccionadas na largura de banda na região da radiação infravermelha média.” Para isso, Antonio Ambrosio irá juntar três linhas de investigação: a concepção de meta-superfícies, a estruturação de superfícies em polímeros e a nano-imagem óptica.
Ainda em Portugal, a historiadora Maria de Lurdes Rosa (da Universidade Nova de Lisboa) conta com 1,6 milhões de euros para estudar a história do morgadio em Portugal entre os séculos XIV e XVII.
Degradação de proteínas
Já no Reino Unido há um cientista português que vai receber uma destas bolsas no valor de cerca de dois milhões de euros. No laboratório de Pedro Carvalho na Universidade de Oxford quer-se perceber os mecanismos de compartimentalização celular.
“Ao contrário das bactérias, as nossas células (eucarióticas) incluem vários compartimentos membranares (ou organelos), como por exemplo o núcleo e as mitocôndrias”, explica ao PÚBLICO o cientista, acrescentando que cada organelo contém um conjunto de proteínas específicas que lhe permite desempenhar tarefas especializadas. “Estamos interessados em perceber como os vários organelos interagem e trocam moléculas entre si, enquanto a sua identidade e especialização são mantidas. Em particular, como estes processos são regulados através da degradação de proteínas.”
Agora, a bolsa do ERC vai permitir a Pedro Carvalho que a sua equipa estude o papel da degradação de proteínas na regulação do envelope nuclear (estrutura que delimita o núcleo e desempenha um papel central na organização celular). “Esta bolsa vem no seguimento do trabalho que temos desenvolvido em leveduras e vai permitir-nos expandir o nosso trabalho para células humanas”, diz o português sobre a importância do financiamento. “Além disso, vai permitir consolidar o meu grupo na Universidade de Oxford. Isto é particularmente importante durante um período de grande incerteza sobre o financiamento da ciência no Reino Unido devido ao ‘Brexit’.”