Por que é que uma mãe se arrisca pelos filhos?
Há mães que fazem tudo pelos filhos, ao ponto de colocarem a sua vida em risco. Agora percebeu-se melhor como isso se processa no cérebro, mais propriamente na amígdala. E há uma hormona mágica: oxitocina.
Está a mãe rato com as suas crias acabadinhas de nascer e eis que surge um gato assanhado. A mãe pressente que os filhos correm perigo e enfrenta o gato. Naquele momento não se importa com a sua vida, o que interessa são os pequenos ratos. Mas o que leva a mãe a arriscar ser ferida pelas garras do gato? Agora uma equipa de cientistas, onde estão duas investigadoras do Centro Champalimaud (em Portugal), descobriu a base neuronal que pode explicar o instinto protector da mãe em relação aos seus filhos. Os resultados foram publicados esta terça-feira na revista eLife.
Tudo começou em 2011 nas Conferências Gordon de Investigação, nos Estados Unidos, sobre o tema “Amígdala na Saúde e na Doença”. Na edição daquele ano das conferências dedicada à amígdala (estrutura do cérebro associada às emoções e, entre outras funções, regula a respostas de defesa), Marta Moita, investigadora no Centro Champalimaud e coordenadora deste trabalho, ouviu Regina Sullivan, da Universidade de Nova Iorque, descrever o comportamento das mães numa situação de ameaça. E que esse comportamento era diferente conforme estavam sozinhas ou com as crias.
Também nessa conferência, Ron Stoop, da Universidade de Lausanne (Suíça), falou sobre os mecanismos da oxitocina, conhecida como a “hormona do amor” e que actua em muitas regiões do cérebro e influencia muitos comportamentos, como a ligação entre mães e filhos. Ron Stoop disse que a oxitocina afectava a actividade da amígdala. Depois foi só juntar as peças do puzzle. “O que não sabíamos de todo era como isso acontecia no cérebro”, diz-nos Marta Moita. Levaram então essa questão para laboratório.
As protagonistas destas experiências foram ratos fêmea e as suas crias mais novas (de quatro a seis dias) e as mais velhas (de 19 a 21 dias). O local foi o laboratório de Regina Sullivan (que está agora entre as autoras deste novo trabalho), na Universidade de Nova Iorque, e foram feitas por Elizabeth Rickenbacher, doutoranda no Centro Champalimaud e principal autora do artigo científico.
As experiências parecem um filme com várias cenas. O cenário foi uma caixa fechada onde as personagens foram condicionadas. Numa primeira cena, as mães estiveram sem as suas crias e criou-se uma ameaça, como se tratasse de um efeito especial: “Associou-se o cheiro a mentol à iminência de um inócuo choque eléctrico”, refere um comunicado da Fundação Champalimaud. Este cheiro era então detectado como uma ameaça e as mães, aqui solitárias, ficavam imóveis – era este o seu comportamento de defesa.
Mudemos de cena: as crias mais novas, que ainda não conseguiam sair do ninho e estavam completamente dependentes da mãe, juntaram-se agora ao filme. A mesma ameaça foi activada e, desta vez, as mães já não ficaram quietas. “Vimos que havia uma alteração no comportamento da mãe quando estava na presença das crias”, conta Marta Moita. A mãe tentava tapar o tubo por onde saia o cheiro e remexia nos materiais do ninho, tentando amontoá-los.
Entraram ainda no filme outras personagens: as crias mais velhas, que já andam de um lado para o outro e estão prontas para sair do ninho. Aproximaram-se da mãe e ela começou a dar-lhes de mamar, a limpá-las ou a lavá-las. “Isto faz com que as crias se mantenham próximo dela, em vez de andarem de um lado para o outro”, salienta Marta Moita. “Continua a ter um comportamento protector, mas de forma diferente.”
A investigadora diz-nos que surgiu de novo a questão: “Será que é mesmo a oxitocina na amígdala que faz isto?” Então, através de fármacos a equipa bloqueou a actividade da oxitocina na amígdala, sem afectar o resto do cérebro. Eis o clímax deste filme. Fosse qual fosse a idade das crias, as mães cuja actividade da oxitocina na amígdala foi bloqueada ficavam quietas e já não arriscavam a vida pelos filhos. “A oxitocina é uma hormona que entra em acção numa situação de ameaça e que actua na amígdala de forma a suprimir a resposta de autodefesa e permitir a resposta de defesa das crias”, conclui Marta Moita.
Há outros resultados a destacar. As crias mais velhas, quando estavam com a mãe e se a oxitocina dela tivesse sido bloqueada, não aprendiam que aquele cheiro era uma ameaça. Já aquelas crias que interagiam com as mães sem a oxitocina bloqueada aprendiam que o cheiro era um perigo. Por exemplo, se tivessem sido aconchegadas pela mãe, já ficavam quietas como ela, ou seja, esse comportamento da mãe pode ter sido transmitido durante o aconchego. “Achamos que a forma mais simples de explicar como isso acontece [a aprendizagem desse comportamento de ficarem quietas] é porque muitas dessas comunicações são feitas através de químicos, como feromonas”, especula Marta Moita.
Os pais são como as mães?
Avisamos já que este filme tem mais sequelas. “Uma das coisas que não sabemos de todo é o que leva à libertação da oxitocina. Sabemos que é provavelmente a presença das crias”, adianta Marta Moita. E há mais dúvidas: “Qual é o circuito que a oxitocina faz desde a protecção da cria, ou do sinal transmitido pela cria, até aos neurónios que a produzem? Qual é o padrão de actividade destes neurónios para a sua libertação? Isto é uma parte do puzzle que está completamente por desvendar.”
Façamos também agora as nossas perguntas: o que se passa com as mães também se passa com os pais? “Não testámos isso, mas a verdade é que o mesmo circuito neuronal também existe nos pais. Os ratos pais têm o mesmo circuito de regulação de defesa e também o mesmo mecanismo de regulação pela hormona oxitocina”, responde Marta Moita. Mas nota que isso teria de ser testado, porque não se sabe nada sobre o comportamento natural dos ratos pais quando tomam conta das suas crias.
E a questão derradeira é mesmo se este estudo se relaciona também com os seres humanos. “Tal como nos ratos, no ser humano, a amígdala é uma das estruturas principais para a regulação das respostas de defesa. Tem muitas semelhanças e muitas diferenças. Sabemos também que a oxitocina modula a actividade da amígdala nos seres humanos,” explica Marta Moita. “Na verdade, as peças do puzzle estão lá e são iguais às dos humanos.”