O jardim onde moram as fontes e os chafarizes centenários do Porto
O Parque de Nova Sintra, devolvido aos portuenses no início deste ano após obras de requalificação, ainda é um segredo escondido. Reúne parte da história do abastecimento de água da cidade.
Até ao final da segunda metade do século XIX as fontes e chafarizes não só se evidenciavam na paisagem urbana do Porto como eram também fundamentais para que a água chegasse à população. Só em 1855 do mesmo século é que começam a ser projectados os primeiros planos para que este recurso natural chegasse canalizado aos domicílios. Até essa altura era às fontes que as gentes desta cidade iam beber e abastecer-se para poderem executar as suas tarefas diárias.
A 22 de Março de 1982 a Compagnie Générale des Eaux pour l'Étranger assina contrato válido por 99 anos para as águas dos rio Sousa e Ferreira chegarem à casa dos portuenses canalizadas. O contrato previa que Matosinhos também fosse abastecido. As obras para que o planeado fosse tornado realidade terminam em 1886. No ano seguinte, o abastecimento é regularizado com a construção da Central do Sousa, o Túnel-Reservatório de Jovim, os reservatórios de Santo Isidro, dos Congregados, de São João da Foz e a Fonte Monumental, nos Leões, que tinha como função diminuir a pressão da água na Baixa. A par disso são instalados 70 quilómetros de tubagens.
É a partir daí que algumas fontes, fontanários e chafarizes deixam de ser necessários e são desmantelados das ruas do Porto – alguns tinham-se tornado um empecilho para o tráfego automóvel que aumentava paulatinamente. Progressivamente, muitas das fontes foram desaparecendo das ruas. Para onde foram algumas destas saídas de água até então indispensáveis para o funcionamento da urbe?
Este enquadramento é feito com ajuda do historial das Águas do Porto. Conhecida uma pequena parte da história deste passo evolutivo, voltamos ainda um pouco mais atrás no tempo para seguir o rasto do passado.
É precisamente nos jardins contíguos às instalações desta empresa municipal, no Parque de Nova Sintra, reaberto em Março deste ano ao público, após obras orçadas em 700 mil euros realizadas pela autarquia, que desvendamos parte desse legado.
São cerca de uma dezena as fontes e chafarizes centenários que foram transferidos das ruas para os jardins da propriedade que desde meados do século XIX até 1922 pertenceu aos Reid – uma família de empresários britânicos. Posteriormente a quinta foi adquirida pela sociedade Almeida Miranda & Companhia, que em 1930 a vendeu à câmara.
É ao percorrermos os caminhos labirínticos de terra batida do parque que percebemos que estes jardins com 68 metros quadrados de área coberta por várias espécies de árvores ainda permanecem desconhecidos de grande parte dos portuenses. Das vezes que lá fomos, ainda que estivessem dias de sol, não encontramos vivalma. O espaço fica a pouco mais de cinco minutos a pé da Faculdade de Belas-Artes, na rua do Barão de Nova Sintra.
Virado para o Douro, na parte em que o rio passa pela praia fluvial do Areinho, em Gaia, e onde é vista para quem viaja no comboio da linha que sai de Campanhã em direcção ao sul, é um refúgio com banda sonora improvisada composta pela água que corre saída das fontes e chafarizes que ali moram.
Entre outras, estão lá a primeira fonte da Arrábida, a da Fontinha, abastecida pelo manancial da Póvoa e construída em 1866 na rua com o mesmo nome, e a que estava na rua Garrett. Em granito cinza, marcado pelo tempo, assente numa laje da mesma pedra, está também lá de pé a fonte da Feira dos Carneiros, também designada por Chafariz de Camões (desconhece-se a data de construção), construída na confluência entre a rua de Camões e a Alferes Malheiro, muito perto do sitio onde noutros tempos se realizava a feira dos Carneiros.
De 1790, com as armas da cidade no topo - a virgem entre duas torres -, a fonte dos Ribeirinhos ou dos Ablativos, uma das mais antigas do Porto, também ali está. Originalmente foi edificada entre a rua de Cedofeita e a rua da Boavista para servir aquela zona da cidade.
Uma relíquia com quase 500 anos<_o3a_p>
Numa parte mais elevada do jardim, a água corre pelo chafariz de São Bento da Avé Maria, com quase 500 anos, construído em 1528, quando D. Manuel II era rei. Com alguns traços da arquitectura manuelina, outrora ornamentava o claustro do mosteiro de São Bento da Avé Maria. É uma das poucas peças que sobreviveu ao incêndio de Outubro de 1783. Reconstruido após o incidente, permaneceu lá até 1895, altura em que o mosteiro foi demolido para dar lugar à estação de São Bento. Dali foi para a rua da Madeira e, até ser transferido para o local onde ainda hoje permanece, passou pelo Largo dos Lóios e pelo Museu Municipal.
No jardim estão ainda duas arcas, a de Santo Isidro, que estava na travessa com o mesmo nome, e a do Anjo, construída em 1832 no sítio onde em 1893 passou a funcionar o mercado do Anjo - actualmente é onde está a renovada praça de Lisboa, junto aos Clérigos.
Entre 1611 e 1875 era de Paranhos que saía quase toda a água que abastecia a cidade. Em Arca de Água existiam três mães de água. A Arca do Anjo foi construída para armazenar as águas que vinham dos mananciais de Paranhos e de Salgueiros, que ali se encontravam para depois abastecer as freguesias de Vitória, Miragaia, São Nicolau e Sé. Esta arca esteve ali até ser desmantelada em 1949 e reconstruida no parque de Nova Sintra, em 1950.
Arte pública a céu aberto<_o3a_p>
Mais recentemente, em Julho de 2017, foi inaugurada no jardim uma escultura de Julião Sarmento. Esculpida em bronze sobre um plinto de betão dentro de um pequeno lago, uma mulher de tronco nu e braços abertos sopra um jacto de água para um espelho de água. Self-portrait fountain, nome escolhido pelo artista que considera esta obra uma espécie de alter-ego no feminino, enquadra-se no ambiente alusivo à água deste jardim.
Esta obra faz parte da Rota da Água do Mapa de Arte Pública da cidade, lançado no mesmo ano em que a escultura foi inaugurada. Além desta há mais quatro rotas: Histórica, das Letras, das Belas-Artes e da Arte Contemporânea.
Este conceito - que reúne meia centena de obras de arte distribuídas pelas diferentes rotas – foi desenvolvido ainda na altura em que Paulo Cunha e Silva, falecido em Novembro de 2015 , era vereador da Cultura da autarquia. É uma ideia que surgiu no seguimento da visão cultural que defendia para o Porto , que, nem de propósito, em confluência com a temática deste jardim, queria transformar numa “cidade líquida”.