Gibraltar e pescas são temas a resolver para aprovar acordo do "Brexit"
O acordo para a saída está pronto para aprovação na cimeira de domingo. Calma e foco, pede Barnier no início da semana decisiva do divórcio. May e Juncker reúnem quarta-feira.
Nas 585 páginas do rascunho do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia já ninguém mexe mais. Os ministros dos 27 Estados Membros, reunidos esta segunda-feira em Bruxelas, deram o seu apoio à proposta fechada a nível técnico pelas equipas negociais do “Brexit” e confirmaram que esse dossier está encerrado.
Este é o documento que os chefes de Estado e governo vão ratificar no Conselho Europeu extraordinário de domingo e este é o único acordo disponível para o Reino Unido — é pegar ou largar. A mensagem, e a decisão, para o Parlamento britânico não podia ser mais simples.
O que não quer dizer que as negociações estejam concluídas: nem em Bruxelas, onde a "unidade" e "disciplina" entre os 27 continua a manifestar-se, nem em Londres, onde a turbulência política ameaça deitar por terra todo o trabalho dos últimos meses. “Chegámos ao momento decisivo”, decretou o negociador chefe da Comissão Europeia, Michel Barnier. “Ninguém deve perder de vista os progressos alcançados tanto no Reino Unido como na União Europeia. Agora mais do que nunca, temos de permanecer calmos e manter o foco”, aconselhou.
As palavras de Barnier tinham dois destinatários. A audiência mais importante, mas sobre a qual o diplomata francês não tem qualquer influência, está do outro lado do canal da Mancha, na Câmara dos Comuns, onde o chumbo do acordo de saída parece mais do que garantido. A outra estava na sala ao lado: na reunião matinal, vários ministros exprimiram as suas “preocupações” com algumas questões concretas que ainda querem ver resolvidas antes da cimeira extraordinária de domingo.
Uma dessas questões é Gibraltar: o ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, exigiu uma “clarificação” dos termos do acordo de saída (que inclui um protocolo separado sobre o território britânico ultramarino cuja soberania é contestada pela Espanha) para que não restem dúvidas de que quaisquer negociações futuras sobre Gibraltar decorrem fora do âmbito da UE e serão conduzidas bilateralmente pela Espanha e o Reino Unido. “Enquanto não ficar claro que essa é uma negociação à parte, não podemos dar o nosso aval ao acordo de saída”, ameaçou Borrell.
Essa exigência de Madrid já tinha sido reconhecida por Michel Barnier na semana passada. Na sua apresentação do projecto de acordo de saída, o negociador europeu disse textualmente que “a questão de Gibraltar faz parte do pacote de acordos bilaterais” que terão de ser estabelecidos após o “Brexit”. Mas ainda assim, a Espanha quer que a linguagem no tratado de saída seja mais precisa, nomeadamente o seu artigo 184, que refere de forma genérica que todos os acordos relativos às relações futuras com o Reino Unido serão negociados “de boa-fé e em respeito pela ordem jurídica” pela União Europeia.
A outra questão diz respeito ao futuro acesso dos barcos de pesca europeus às águas britânicas, depois de ultrapassado o período de transição em que o Reino Unido continuará abrangido pela política comum de pescas. O “problema” só se coloca a partir de 2021, mas os ministros de vários países europeus, entre os quais Portugal, querem acautelar desde já que as suas frotas não perderão o acesso aos mais de cem stocks pesqueiros em comum no caso de os dois blocos ainda não terem acertado um novo acordo de pescas.
“O que dissemos foi que era muito importante para nós que na declaração política [sobre a relação futura] ficasse desde já expresso que a nossa visão, no que diz respeito ao sector das pescas, é que o acesso aos mercados [pelos britânicos] estivesse associado ao acesso aos recursos e portanto ao acesso às águas [pelos europeus]”, resumiu o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
Mas nenhuma destas questões põe em causa a "unidade" dos 27 ou o seu apoio ao projecto de acordo de saída negociado por Barnier. "As negociações resultaram num compromisso justo. A questão agora é saber se o acordo é aprovado pelo parlamento britânico", resumiu o ministro austríaco para a Europa, Gernot Blümel.
May em Bruxelas para fechar negociações
O diálogo entre os negociadores europeus e britânicos, esta semana, decorre precisamente em torno do rascunho da declaração política que vai enquadrar o relacionamento futuro do Reino Unido com a UE. Esse documento, actualmente com 12 páginas, será incluído como anexo no acordo de saída, e como tal tem de estar fechado antes do próximo domingo, para a aprovação dos líderes europeus.
Segundo fontes europeias, na sua versão final, a declaração política não deverá exceder as 15 páginas. A ideia é fixar as bases da “ambiciosa” parceria estratégica e de cooperação económica e política que tanto Londres como Bruxelas pretendem. A intenção dos dois lados é deixar a barreira o mais baixa possível, para não perder margem de manobra durante as negociações que só arrancam depois do “Brexit” estar concretizado, a 29 de Março de 2019. “Não sabemos ainda quais vão ser os termos dessa parceria, mas sabemos que o compromisso mínimo é que seja um acordo de livre comércio”, afirmou Michel Barnier.
O derradeiro impulso será dado pela primeira-ministra britânica, Theresa May, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que têm um encontro marcado para quarta-feira em Bruxelas. Além da redacção definitiva da declaração política para a relação futura, os dois vão acertar o prazo para a possível extensão do período de transição após o “Brexit”, que ainda não foi fixado.
Os europeus terão avançado a possibilidade de poder ser prolongado até Dezembro de 2022, mas Downing Street sempre disse que era desejável que essa fase que designa como de “implementação” não ultrapassasse o mandato do Governo (as novas eleições, se entretanto o executivo não cair, deverão ser em Junho ou Julho de 2022). “Chegaremos a um consenso. Todos os Estados membros concordam que o período de transição possa ser prolongado se o Reino Unido desejar”, garantiu Michel Barnier.