Em Faro há um cemitério sobrelotado e outro onde os corpos não se decompõem

Equipamento novo, inaugurado em 2005, para minimizar a falta de espaço do mais antigo, enferma de um erro de construção. Os dois mil cadáveres ali sepultados ficaram mumificados.

Foto
Faro está com dificuldades para sepultar os seus mortos no cemitério local Adriano MIranda

O velho cemitério de Faro, de nome Boa Esperança,  esgotou a capacidade de expansão - e o solo, saturado, está com cada vez mais dificuldade em decompor os cadáveres. Com a entrada do Outono -  na linguagem popular, chamam-lhe o “cair da parra – aumenta o número de falecimentos, sobretudo na população idosa. Nos últimos quatro dias, morreram dez pessoas na cidade. A média anual de funerais na região é de 500, e não há um crematório que resolva problemas graves detectados no novo cemitério da cidade.

Em Faro, para suprir a falta de espaço para enterrar os mortos, construiu-se um novo cemitério, inaugurado em Outubro de 2005, mas este nunca funcionou de forma plena. O projecto de arquitectura, com formas e linhas modernas, parecia estar virado para a expansão da cidade. Gavetões e jazigos, por entre  zonas relvadas e  espelhos de água, encimados por uma capela ecuménica. O projecto previa ainda a construção de um crematório,-  a  explorar  pelas agências funerárias - mas esta componente está num impasse. A câmara, entretanto, mandou construir, recentemente, 176 gavetões, e já adjudicou a construção de mais 336, por quase 190 mil euros.

No antigo cemitério da Boa Esperança – encravado entre blocos de habitação – não há lugar para expansão. O coveiro José Raposo, de 55 anos de idade, recorda: “Já levantei sepulturas com três anos e meio, e a terra não tinha ainda comido os corpos, tive de voltar a tapar”. O episódio repete-se nas palavras de outros colegas, que não sabem o que fazer para responder à crescente procura. A legislação permite que a exumação possa ocorrer três anos após o enterro, mas a margem de segurança leva a que essa operação, na maioria dos cemitérios da região, ocorra ao fim de cinco anos.

O novo cemitério, situado na zona da Penha, enferma de um erro de construção. Com o decorrer dos anos, chegou-se à conclusão que o sistema de indução da decomposição dos cadáveres não funcionava. Em vez de se "tornarem pó", os corpos mumificam. Nessas circunstâncias estão dois mil cadáveres. A solução passaria pelo recurso à cremação, mas depois de um concurso público para a construção de um crematório, em que saiu vencedor o agrupamento Servilusa – Agências Funerárias, S. A, em 2011, este mostrou desinteresse, e o processo terminou com o pagamento ao município de uma indeminização de 309 mil euros. Aberto novo concurso, com outras condições, a Servilusa ficou classificada em segundo lugar, recorreu para Tribunal, e ganhou na primeira instância. O processo encontra-se em fase de recurso.

Sem crematório, no imediato, o maior problema é a falta de espaço. “Ao ritmo a que os funerais estão a acontecer, dentro de cinco a seis meses , esgota-se a capacidade”, diz o operacional de serviço, Domingos Gós, acrescentando: “Já o meu pai dizia que é, agora, no cair da parra [Outono], que os velhinhos morrem mais”. Por isso, sugere: “Apressem-se a construir os outros 336 gavetões”. No que diz respeito à arquitectura do espaço edificado, o problema é que os espelhos de água deixaram de ter manutenção, ficaram de sequeiro, e as lâmpadas dos holofotes fundiram-se. A falta de manutenção instalou-se, e agravou-se com o período da assistência financeira a que o município ficou sujeito. Nos dias que antecederam a data da celebração dos falecidos, alguns destes problemas foram minimizados, mas a questão estrutural continua por resolver.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários