Em Faro há um cemitério sobrelotado e outro onde os corpos não se decompõem
Equipamento novo, inaugurado em 2005, para minimizar a falta de espaço do mais antigo, enferma de um erro de construção. Os dois mil cadáveres ali sepultados ficaram mumificados.
O velho cemitério de Faro, de nome Boa Esperança, esgotou a capacidade de expansão - e o solo, saturado, está com cada vez mais dificuldade em decompor os cadáveres. Com a entrada do Outono - na linguagem popular, chamam-lhe o “cair da parra – aumenta o número de falecimentos, sobretudo na população idosa. Nos últimos quatro dias, morreram dez pessoas na cidade. A média anual de funerais na região é de 500, e não há um crematório que resolva problemas graves detectados no novo cemitério da cidade.
Em Faro, para suprir a falta de espaço para enterrar os mortos, construiu-se um novo cemitério, inaugurado em Outubro de 2005, mas este nunca funcionou de forma plena. O projecto de arquitectura, com formas e linhas modernas, parecia estar virado para a expansão da cidade. Gavetões e jazigos, por entre zonas relvadas e espelhos de água, encimados por uma capela ecuménica. O projecto previa ainda a construção de um crematório,- a explorar pelas agências funerárias - mas esta componente está num impasse. A câmara, entretanto, mandou construir, recentemente, 176 gavetões, e já adjudicou a construção de mais 336, por quase 190 mil euros.
No antigo cemitério da Boa Esperança – encravado entre blocos de habitação – não há lugar para expansão. O coveiro José Raposo, de 55 anos de idade, recorda: “Já levantei sepulturas com três anos e meio, e a terra não tinha ainda comido os corpos, tive de voltar a tapar”. O episódio repete-se nas palavras de outros colegas, que não sabem o que fazer para responder à crescente procura. A legislação permite que a exumação possa ocorrer três anos após o enterro, mas a margem de segurança leva a que essa operação, na maioria dos cemitérios da região, ocorra ao fim de cinco anos.
O novo cemitério, situado na zona da Penha, enferma de um erro de construção. Com o decorrer dos anos, chegou-se à conclusão que o sistema de indução da decomposição dos cadáveres não funcionava. Em vez de se "tornarem pó", os corpos mumificam. Nessas circunstâncias estão dois mil cadáveres. A solução passaria pelo recurso à cremação, mas depois de um concurso público para a construção de um crematório, em que saiu vencedor o agrupamento Servilusa – Agências Funerárias, S. A, em 2011, este mostrou desinteresse, e o processo terminou com o pagamento ao município de uma indeminização de 309 mil euros. Aberto novo concurso, com outras condições, a Servilusa ficou classificada em segundo lugar, recorreu para Tribunal, e ganhou na primeira instância. O processo encontra-se em fase de recurso.
Sem crematório, no imediato, o maior problema é a falta de espaço. “Ao ritmo a que os funerais estão a acontecer, dentro de cinco a seis meses , esgota-se a capacidade”, diz o operacional de serviço, Domingos Gós, acrescentando: “Já o meu pai dizia que é, agora, no cair da parra [Outono], que os velhinhos morrem mais”. Por isso, sugere: “Apressem-se a construir os outros 336 gavetões”. No que diz respeito à arquitectura do espaço edificado, o problema é que os espelhos de água deixaram de ter manutenção, ficaram de sequeiro, e as lâmpadas dos holofotes fundiram-se. A falta de manutenção instalou-se, e agravou-se com o período da assistência financeira a que o município ficou sujeito. Nos dias que antecederam a data da celebração dos falecidos, alguns destes problemas foram minimizados, mas a questão estrutural continua por resolver.