Colégios GPS: Ministério Público deixa cair acusação de abuso de confiança, mas mantém corrupção

No processo em que está implicado ex-secretário de Estado há uma factura segundo a qual três pessoas terão bebido 36 garrafas de vinho numa só refeição.

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José Canavarro quando era secretário de Estado, em 2004 Carla Carvalho Tomás

O Ministério Público já não considera suspeitos de abuso de confiança os arguidos do caso dos colégios do grupo GPS, embora mantenha as acusações de corrupção, peculato, burla e falsificação de documentos. Se o caso irá ou não a julgamento saber-se-á na próxima sexta-feira.

Em causa estão, entre outros, os apoios concedidos pelo Governo a 14 das 26 escolas particulares que o grupo privado tinha em 2005. Depois de terem viabilizado esses apoios, tanto o então secretário de Estado da Administração Educativa, José Canavarro, como o director regional de Educação de Lisboa acabaram por ir trabalhar para o GPS, após o Governo do PSD liderado por Santana Lopes cair. O que, no entender do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, comprova que estes dois responsáveis concederam subsídios estatais para arranjarem emprego.

Estes dois arguidos negam-no. E durante o debate instrutório que teve lugar nesta segunda-feira – uma espécie de pré-julgamento no fim do qual um juiz decide se existem indícios suficientes para fazer sentar os suspeitos no banco dos réus ou se, pelo contrário, é melhor arquivar o processo – os seus advogados desmentiram alguns factos que constam da acusação. Por exemplo, que o antigo director regional, José Almeida, se tenha tornado accionista de um dos colégios do grupo, posição que teria assumido como mais uma contrapartida da corrupção.

O Ministério Público estima que os administradores dos colégios se tenham apoderado para seu uso pessoal de 30 dos 300 milhões de euros que o GPS recebeu do Estado entre 2005 e 2013 por conta dos chamados contratos de associação, que são os apoios que o Estado concede ao ensino privado que faz as vezes do público nas localidades onde este último não existe, ou não chega para todos quantos estão na escolaridade obrigatória.

Porsche, Audi, Mercedes

A um dos administradores do grupo de escolas particulares GPS, liderado pelo socialista António Calvete, foram apreendidas pelas autoridades seis dezenas de automóveis. Da frota de veículos faziam parte dois Porsches, e ainda vários Audis e Mercedes de topo de gama. E da vida dos gestores do grupo faziam parte os cruzeiros às Caraíbas e os almoços e jantares bem regados. Numa dessas refeições, três pessoas terão bebido nada menos que 36 garrafas de vinho. Pelo menos é o que diz uma factura passada em 2010 pelo restaurante Manjar do Marquês, em Pombal, ao grupo dos colégios, no valor de 1440 euros. Também aparecem nas contas garrafas de champanhe.

Mas não foram os eventuais efeitos nocivos para a saúde dos empresários de semelhante estilo de vida que impressionaram as autoridades. O que realmente suscitou a sua atenção foi a proveniência de tanto dinheiro.

Os investigadores quiseram perceber qual o milagre que permitiu um grupo de sete escolas transformar-se, em menos de dez anos, num conglomerado de cinco dezenas de empresas, de agências de viagens a supermercados, entre outras áreas de negócio. E concluíram que muito se terá devido aos bons ofícios do secretário de Estado e do director regional. Mas também à informação falsa que os gestores terão transmitindo ao Ministério da Educação ao longo dos anos.

Para os advogados, o curto período de tempo em que o Governo de Santana Lopes esteve em funções não permitiu aos seus membros assegurar o que quer que fosse a longo prazo – nomeadamente os tais apoios aos colégios, que têm um carácter anual. Razão pela qual os donos do grupo GPS não tinham interesse em pagar-lhes luvas. Afinal, havia de ser um secretário de Estado nomeado por um Governo socialista a autorizar a celebração dos contratos entre o Estado e o grupo GPS agora sob suspeita, assegurou o defensor de um dos arguidos. Tratou-se de Valter Lemos, que sucedeu a José Canavarro no cargo.

Caberá ao juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, decidir se os suspeitos – sete, ao todo, entre ex-administradores e ex-responsáveis do Ministério da Educação ­– serão julgados e por que crimes, se por todos aqueles de que estão acusados ou apenas parte deles. Ivo Rosa é também o juiz responsável pela fase de pré-julgamento da Operação Marquês que terá início em Janeiro.

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