Brasil
Para os evangélicos, "Haddad é o inimigo dos crentes"
No Nordeste brasileiro, que conserva ainda um forte apoio ao Partido dos Trabalhores, os "fiéis" a Bolsonaro crescem: os pastores evangélicos abriram a porta ao candidato da extrema-direita num território que lhe parecia vedado.
A casa de Crenilton Santos Ferreira e da mulher, Claudia, fica no fim de uma estrada de terra no estado do Maranhão, no nordeste do Brasil, o mais pobre do país. "O meu voto é em Bolsonaro porque ele defende o valor da família, os valores cristãos", disse à Reuters este pastor da cidade de Barreirinhas. "Ele não defende um partido, ele defende uma nação: o Brasil". Crenilton, 34 anos, é um dos rostos do número crescente de apoiantes de Jair Bolsonaro no Nordeste brasileiro, que continua a ser encarado como o reduto da esquerda.
Este mês, de resto, o Maranhão voltou a eleger o seu governador, um membro do Partido Comunista Brasileiro, com quase 60% dos votos. O entusiasmo de Crenilton Ferreira com Jair Bolsonaro, neste canto do Brasil onde escasseiam as televisões e telemóveis, é uma prova do apelo do candidato da extrema-direita em locais onde até aqui os candidatos conservadores têm sido fracos ou inexistentes. E o apoio de Crenilton Ferreira a Bolsonaro nestas eleições presidenciais - na sua paróquia e na sua cidade - revelou uma das forças ocultas da campanha do candidato: o establishment evangélico deu um exército popular de voluntários a Jair Bolsonaro. No Maranhão, os pastores evangélicos abriram a porta ao candidato da extrema-direita num território que lhe parecia vedado.
Já na casa de Maria da Luz e Raimundo Ferreira, o Partido dos Trabalhadores continua a ter voto garantido. Na casa da família, há até um cartaz com a figura do ex-presidente brasileiro Lula da Silva. "Provavelmente vou votar no “papá” Lula, através do seu candidato[Haddad]. O chefe sempre nos ajudou", disse à Reuters Maria da Luz, 54 anos e mãe de dez filhos. Maria da Luz e o marido, Raimundo Domingo Ferreira Pires, de 74 anos, moram em Belagua, e são, à semelhança de muitas outras famílias, beneficiários do programa Bolsa Família criado pelo PT em 2003.
Maria da Luz recebe cerca de 500 reais (118 euros) por mês através do programa de apoio a famílias carenciadas Bolsa Família, enquanto Raimundo Pires recebe outros 650 reais (cerca de 150 euros) de pensão. O dinheiro, explicaram à Reuters, ajudou a família a comprar roupas, lápis e cadernos para que os filhos pudessem ir à escola. Em campanha no Nordeste na última semana antes das eleições, Fernando Haddad prometeu aumentar os valores do Bolsa Família em 20%.
Até mesmo Crenilton Ferreira, o pastor que faz campanha por Bolsonaro, depende do programa Bolsa Família para sobreviver: recebe 163 reais (cerca de 38 euros) por mês para sustentar os dois filhos, um complemento ao seu salário de 800 reais (cerca de 190 euros). À Reuters, explicou que foram as conversas com outros membros da igreja que o afastaram do PT. Temas como o apoio aos direitos dos homossexuais ou a educação sexual na escola mobilizaram os evangélicos contra o partido da esquerda. A Crenilton, os conselhos chegam muitas vezes via satélite em conversas com Pedro Aldi Damasceno, pastor titular da capital do estado de São Luís, que faz campanha por Bolsonaro a partir do púlpito. "Somos cristãos, defendemos o verdadeiro cristianismo com ardor e zelo", disse Damasceno à Reuters. "Não há paz entre nós e Haddad. Ele é o inimigo, o inimigo dos crentes."