"Onde está a presunção de inocência dos polícias?"
Polícias condenam críticas do ministro quando não é certo que tenham sido agentes a fotografar os suspeitos foragidos do Porto. Marcelo já defendeu posição de Eduardo Cabrita contra divulgação de imagens. Principal sindicato, a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, lamenta que, no meio da discussão, “uma excelente operação” policial tenha ficado “escondida”.
Jacinto Soares diz que estamos a assistir a um “linchamento público” dos polícias por causa das fotografias da detenção de três suspeitos, que tinham fugido de um tribunal no Porto, divulgadas nas redes sociais. "Onde está a presunção de inocência dos polícias? Só os suspeitos de crimes é que gozam dela?”, solta o agente da PSP de 42 anos.
O agente reproduz um sentimento comum na classe: o mal-estar gerado pelo facto de o ministro da tutela, Eduardo Cabrita, ter deixado implícito que é na PSP que está o autor dessas fotografias, partilhadas por sindicatos (Sindicato Unificado da Polícia e Sindicato Vertical de Carreiras da Polícia) e por vários órgãos de comunicação.
“Quando é o próprio ministro que promove um ataque às forças de segurança, certos grupos ganham ânimo para nos confrontar. Não há qualquer benefício da dúvida, protecção ou respeito”, concorda Paulo Peres, agente da esquadra de trânsito de Vila Franca de Xira. Jacinto e Paulo falaram com o PÚBLICO nesta segunda-feira, durante uma pequena manifestação convocada pela Organização Sindical dos Polícias, junto à Direcção Nacional da PSP, em Lisboa.
O objectivo era reivindicar a reposição de subsídios e investimentos nesta polícia. Mas a guerra entre polícias e ministro não podia passar ao lado.
No sábado, Eduardo Cabrita considerou que a publicação das imagens dos detidos, algemados e sentados no chão, no momento da detenção, era “absolutamente inaceitável”. Essa atitude não corresponde à forma de actuação da polícia portuguesa, acrescentou. Um inquérito foi aberto pela Inspecção-Geral da Administração Interna e pela própria PSP.
Mas o que os profissionais que nesta segunda-feira estavam na manifestação desejavam ter ouvido da tutela era o reconhecimento do mérito da operação de captura dos suspeitos de vários crimes muito violentos contra idosos, concretizada 24 horas após a fuga.
O protesto aconteceu no mesmo dia em que o Presidente da República veio a público falar o caso: um outro sindicato, o Vertical, divulgou no sábado uma montagem fotográfica com idosos espancados, cobertos de hematomas — mas que não foram agredidos em Portugal, nem tão pouco recentemente — ao lado da uma imagem da fotografia de Eduardo Cabrita e da sua frase a considerar “absolutamente inaceitável” a divulgação de fotografias de suspeitos capturados pela PSP. A montagem acabou por levar muitas pessoas nas redes sociais a crer que os idosos retratados tinham sido agredidos pelos homens detidos na sexta-feira — o que não corresponde à verdade.
Marcelo disse subscrever a posição logo assumida por Cabrita, de que “há um respeito pela dignidade das pessoas que é próprio do Estado de direito democrático que torna inaceitável uma situação” como a divulgação de imagens de suspeitos. E considerou também inaceitável a montagem dos idosos. “Temos de estar preparados para aquilo que de vez em quando acontece, nomeadamente nos meios mais expeditos de comunicação de imagens ou de informações, ou ditas informações, que são montagens, que não correspondem à realidade”. Pediu, de resto, às pessoas para estarem atentas àquilo que, defendeu, “pode ser uma montagem em relação à verdade”.
Falta de reconhecimento
“Uma excelente operação acabou por ser escondida pela discussão das fotografias”, lamenta o presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP). Questionado pelo PÚBLICO sobre esta polémica, Paulo Rodrigues diz que “os polícias que participaram na operação [de captura dos suspeitos evadidos] ficaram magoados” com as declarações do ministro.
“Pessoas que estavam de folga ou em período de descanso apareceram lá para trabalhar. Houve polícias que estiveram 24 horas a trabalhar, sem dormir, a comer rápido, para ir buscar informações, para fazer tudo. Estavam à espera de ser reconhecidos pelo trabalho realizado”, afirma.
O ASPP/PSP, tal como o OSP/PSP, não se pronuncia sobre o conteúdo e publicação das fotografias dos detidos até serem conhecidos os resultados aos inquéritos entretanto abertos.
Já entre os polícias ouvidos pelo PÚBLICO nesta segunda-feira, no protesto em Lisboa, ninguém duvida que não foram os colegas a tirar as fotografias, porque conheceriam as consequências disciplinares desse acto. E, tendo a detenção acontecido num local público, outras pessoas teriam facilmente registado o momento.
A partir daí as opiniões dividem-se. Uns condenam com veemência a publicação das fotografias, por considerem que atentam contra a dignidade dos suspeitos. E que não cabe aos polícias incitar o julgamento público. Jacinto Soares, agente na esquadra de turismo de Cascais, está do lado dos que apoiam a divulgação das imagens. Justifica-o assim: “O cidadão, que paga impostos para usufruir de segurança, tem direito a saber quem essas pessoas que andam a praticar estes actos cobardes."
Já Pedro Jesus, agente da divisão de Cascais, não lê qualquer “sentimento de vingança ou necessidade de mostrar um troféu” naquelas imagens. É-lhe incómodo o silêncio da Direcção Nacional da PSP. “Numa altura em que a instituição está a ser atacada, alguém da direcção já devia ter vindo a público defender. Se fosse com a GNR, como já se viu noutros casos, a reacção seria imediata”, reitera. São vários os colegas que recordam a resposta do Comando Geral da GNR a expressar desagrado "pelas afirmações indecorosas" do juiz Neto de Moura, três dias depois de terem sido conhecidas as declarações em que este acusava os agentes policiais de mentirem quando é “posta em causa a legalidade da sua actuação”.
Enquanto a manifestação decorria, a Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda (ASPIG/GNR) também reagia a favor da divulgação de fotografias por considerar que os criminosos "não são merecedores do mesmo respeito e consideração" que o cidadão comum. Em comunicado, demonstrando “solidariedade com os agentes da PSP”, a associação manifesta "repúdio pelo facto de parecer que se vive numa sociedade em que, sistematicamente, o defensor dos cidadãos é constantemente visado em processos que lhe são desfavoráveis, enquanto os prevaricadores parecem usufruir de todos os direitos de defesa e pronto apoio das mais estranhas entidades".