Faltam economistas dos impostos: o problema e uma proposta de solução
O Estado está tão focado na cobrança que negligencia os efeitos na economia.
Economistas qualificados para pensar os impostos e outros instrumentos de receita pública nos seus efeitos sobre os comportamentos das pessoas e das empresas são um recurso muito, muito escasso em Portugal. Talvez por isso, de uma maneira geral, os impostos, as taxas e os preços de serviços de interesse colectivo tratam tão mal a Economia.
Por alguma razão, quando um Governo decide mexer a fundo num imposto, nomeia uma comissão de peritos para lhe apresentar a proposta de reforma. Na sua composição, pontuam fiscalistas e revisores oficiais de contas. Claro que nada me move contra estas profissões; tenho aprendido muito com elas e as suas visões disciplinares são indispensáveis para empreender tais reformas com competência. Porém, quem é que nesses grupos de trabalho está treinado para se preocupar com as consequências nas decisões dos agentes de trabalhar, poupar, investir? Dá ideia que a única preocupação das encomendas é aumentar a receita quase todos os anos e baixar a receita em ano de eleições (e, mesmo assim, nem sempre). Claro, aquelas profissões são depois muito procuradas pelas consultoras e pelas empresas para as ensinar planeamento fiscal, i.e., a pagar menos ao Estado. Dentro da lei.
A impressão de que os decisores políticos hipervalorizam o efeito na receita sai reforçada quando nos confrontamos todos os anos com dezenas e dezenas de alterações mais miudinhas nas regras fiscais. Salvo honrosas excepções, não têm avaliação de impacto orçamental. Quando muito, limitam-se a pouco mais do que seguir uma “regra de três simples”: se no ano passado o imposto sobre a quantidade transaccionada de determinado bem rendeu x euros e se pretende subir a taxa em 10%, então a receita vai aumentar 10%. Nada mais errado neste raciocínio simplista! A experiência do senso comum já ensinou todos os adultos que, salvo situações extremas de rigidez absoluta de comportamentos, a subida de um imposto leva ao aumento do preço pago pelos consumidores, a uma diminuição do preço recebido pelos fornecedores e, portanto, a uma inevitável contracção na quantidade transaccionada desse bem. Logo, o ganho para o Estado só por milagre será de 10%. Neste caso, um milagre que desafiaria a matemática.
Claro que fazer uma avaliação de impacto orçamental a sério não é fácil nem imediato. Exige uma equipa de economistas com sólida formação em microeconomia pública, familiaridade estatística com micro-dados e métodos de estimação econométrica, conhecimento teórico e prático dos mercados directamente impactados e ainda treino no acesso a bases de dados fiscais e estatísticas onde encontrar matéria-prima para fazer contas. Claro, ainda seria necessário contar com a boa vontade das instituições que produzem e armazenam estes dados a fim de acederem à informação que não é do domínio público. A avaliação do impacto na receita tem de começar com a avaliação dos efeitos na economia! Se esta fosse feita e escrutinada publicamente, estou certo que muitas propostas de alteração fiscal ficariam pelo caminho. A bem da Economia!
O leitor menos entrosado nestas matérias pode achar que acabei de descrever um extraterrestre. Porém, acredite que existem muitos e bons técnicos em países da OCDE, e não só, com estas competências. E aonde é que eles são valorizados? Nas administrações fiscais, nos ministérios das pastas económicas, nos tribunais de contas, nos bancos centrais... e nos conselhos de finanças públicas e nas unidades parlamentares de apoio orçamental. Por cá, salvo uma ou duas pessoas que muito prezo profissionalmente, não há. Tão simples quanto isto. Durante mais de cinco anos, conduzi várias operações de recrutamento para o Conselho das Finanças Públicas (CFP), nas quais constava o perfil de economista das receitas públicas: descrevia as tarefas a executar e listava as competências pretendidas. Responderam dezenas de candidatos; nenhum se aproximava razoavelmente das qualificações solicitadas. Juristas e contabilistas encimavam as respostas.
Concluí que a falta de profissionais com essas competências se deve a uma “falha de mercado”. O Estado está tão focado na cobrança que negligencia os efeitos na economia. Efeitos, note-se, que podem ser negativos e positivos. Por isso, não procura aquele tipo de economistas. As escolas de economia, pressionadas pelo “fenómeno Bolonha” e pela ausência de empregabilidade nesta área, removeram das licenciaturas e mestrados grande parte da microeconomia pública, para não dizer toda. Logo, também não há oferta.
Quero aproveitar o PÚBLICO para deixar aqui uma proposta de solução sob a forma de repto às instituições que vou mencionar. A falha de mercado pode ser superada se for assumida, internalizada, por um consórcio de empregadores e formadores qualificados. Imaginem que o Ministério das Finanças, os municípios de Lisboa e do Porto, o Tribunal de Contas, o Conselho das Finanças Públicas e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) acordavam com duas escolas de economia, em diferentes cidades do país, a realização de um programa de formação ao nível do segundo ciclo nesta área. Eventualmente alargado a outras políticas públicas carenciadas, para ganhar massa crítica. Durante alguns anos, o grupo de empregadores comprometer-se-ia a recrutar os melhores alunos, com base nos critérios de excelência e necessidades efectivas de cada instituição. Ao fim desse período, estaria instalada no país a consciência de que estes técnicos fariam a diferença e outras instituições, nomeadamente de nível local e intermunicipal, estariam no mercado. Estabelecida a reputação, até poderia desaparecer a garantia de emprego para os melhores e este programa de formação poderia concorrer com os demais para formar bons economistas para o mundo global. A bem da Economia!
Cidadania Social – Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais – www.cidadaniasocial.pt