A reforma tarifária dos transportes públicos em Lisboa vai casar sozinha?

Mesmo que seja muito mais barato andar de comboio, autocarro e metro, o preço baixo de nada servirá se a qualidade do serviço for fraca.

Segundo o inquérito à mobilidade realizado em 2017, em cada dez deslocações casa-trabalho, seis são de carro e menos de duas são em transporte colectivo, sendo urgente inverter esta tendência. As dinâmicas económicas e demográficas levaram a uma concentração populacional de forma dispersa nas zonas urbanas e isso desafia soluções de mobilidade. Nos últimos 30-40 anos, a cidade de Lisboa perdeu cerca de 300.000 habitantes, ao passo que os concelhos limítrofes viram a sua população crescer muito significantemente. Este modelo de ordenamento do território, aliado a uma forte aposta política na expansão da rede viária, criaram fortes incentivos ao uso do transporte individual motorizado. Consequentemente, ao longo das últimas décadas a nossa mobilidade depende cada vez mais do carro, o que tem provocado problemas de tráfego e de emissões poluentes. Na UE, a estratégia de descarbonização identifica como um dos pilares o transporte público.

Não admira, portanto, que recentemente Fernando Medina tenha lançado mediaticamente um debate importante sobre o transporte colectivo na área metropolitana de Lisboa. Das várias medidas apresentadas, a proposta que tem merecido mais atenção é a criação de um passe único cujo preço não varia com a distância. Este passe custará 30 euros por mês para quem se deslocar dentro de Lisboa e 40 euros por mês para quem se deslocar para Lisboa de qualquer um dos outros 17 municípios da área metropolitana. Neste novo tarifário existirá também um passe família que custará no máximo o equivalente a dois passes individuais e as crianças até aos 12 anos poderão utilizar o transporte colectivo de graça.

A redução do tarifário foi apresentada na proposta de Orçamento do Estado (OE) 2019 esta segunda-feira, 15 de Outubro. A acontecer, esta é uma boa notícia. Vários estudos salientam a importância de baixar os preços para o aumento da procura do transporte colectivo e a redução do uso do carro. Passes mais baratos promovem o uso do transporte colectivo, ao invés do transporte individual, reduzindo assim o impacto ambiental negativo do sector dos transportes. Embora o novo tarifário não varie em função do rendimento das famílias, o facto de ser muito mais barato que o tarifário actual poderá significar uma melhoria na coesão e justiça social, em particular no acesso a oportunidades de emprego e outros serviços de interesse público como a educação e a saúde. Adicionalmente, quem vive mais longe é frequentemente quem não pode pagar os preços mais elevados da habitação na cidade e beneficiará com transportes mais baratos.

Num estudo recente da relação entre as deslocações no Metro de Lisboa e o tarifário, identificámos que o preço se tem revelado como crucial para a procura dos serviços do metro, assim como o nível de serviço. E é este segundo ponto – o nível e qualidade de serviço – que importa muito trazer para a agenda de reforma do transporte colectivo. É que mesmo que seja muito mais barato andar de comboio, autocarro e metro, o preço baixo de nada servirá se a qualidade do serviço for fraca. Importa valorizar debates sobre medidas adicionais necessárias para a melhoria do serviço oferecido. Várias medidas têm sido também apresentadas neste sentido, incluindo a aquisição de novos autocarros pela Carris, a expansão das faixas Bus, o alargamento da rede do metro e modernização do material circulante, e a requalificação da linha de Cascais, entre outras. Tem-se falado menos de soluções utilizadas noutros contextos como cobrar menos em horas de menor utilização, a flexibilização do horário de entrada nos empregos ou horário total e parcial em teletrabalho. No entanto, a incerteza da decisão política e o horizonte temporal alargado da implementação destas medidas poderá implicar que o aumento da utilização do transporte público sem uma oferta adequada a essa procura leve a uma situação de “sardinhas na lata” e logo à deterioração do nível de satisfação dos utentes.

Para que a reforma tarifária não case sozinha, e as medidas anunciadas pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa produzam os resultados esperados nos padrões de mobilidade da área metropolitana, é importante que haja estabilidade na sua implementação e se evite o ziguezague habitual dos ciclos eleitorais. Isto não será possível enquanto não se falar seriamente sobre o “elefante na sala”, ou seja, o mecanismo de financiamento que permitirá a criação e manutenção do novo tarifário único e, consequentemente, a necessidade de uma maior subsidiarização da utilização do transporte colectivo. 

Para já, sabemos que o financiamento deverá vir do Fundo Ambiental, em vigor desde Janeiro de 2017, e que também deverá haver comparticipação das áreas metropolitanas. Para que as medidas propostas perdurem no tempo e produzam os efeitos esperados na mobilidade urbana, é fundamental que o mecanismo de financiamento seja sustentável, isto é, que não seja um refém fácil de pressões orçamentárias de futuros governos e Orçamentos do Estado. Importa, portanto, também debater a proposta de financiamento da redução tarifária.

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