OE2019: A prioridade é o excedente orçamental!
Em suma, é o primeiro Orçamento com um + desde 1973, mas que vem camuflado para a praça pública. Depois de anos de crise ficamos contentes com relativamente pouco.
O mote para a proposta do Orçamento do Estado de 2019 (OE2019) foi dado pelo ministro das Finanças no seu artigo de opinião no Dinheiro Vivo publicado no domingo, um dia antes da entrega do documento na Assembleia da República: rigor, não há margem orçamental “para complacência, nem para soluções aparentemente fáceis, de traço populista”.
A estratégia orçamental apresentada como a melhor pelo Governo é simples: melhorar as contas públicas através de restrições à despesa pública, nomeadamente, salários e pensões, e ao investimento público, porque isso agrada aos mercados, que nos recompensam com taxas de juro mais baixas, permitindo uma redução da despesa com juros. Segundo o Governo, é esse dinheiro poupado com juros que, em larga medida, permite um aumento das dotações para a saúde, bem como uns “pozinhos” para pensões, salários dos funcionários públicos e redução de impostos. Por conseguinte, temos de continuar a agradar aos mercados e a seguir o único caminho possível. É preciso muita paciência e passinhos muito pequeninos. Este processo só irá durar décadas!
Na realidade, o contributo fundamental para a melhoria do saldo orçamental é dado pela evolução do PIB e não pela redução da despesa com juros. Com a despesa e investimento público sob colete-de-forças e taxas de crescimento nominal próximas das actuais, o saldo orçamental melhora 0,4 a 0,9 p.p. do PIB por ano por si só.
Será, aliás, difícil provar a existência de uma relação causal determinante entre a evolução das contas públicas e as taxas de juro quando é sabido que a sua evolução se explica sobretudo pela política monetária do BCE.
Quais os elementos chave do OE2019?
Primeiro, as estatísticas fundamentais sobre o desempenho de 2018, ponto de partida para o OE2019, não aparentam terem sido actualizadas desde o Programa de Estabilidade (PE) de Abril de modo a reflectir a verdadeira evolução das contas públicas. Por conseguinte, serão de novo enviesadas. O défice deste ano será inferior aos 0,7% do PIB previstos em Abril e reafirmados anteontem pelo ministro das Finanças. A taxa de crescimento do PIB em 2018 poderá também surpreender. De facto, este ano, o subsídio de Natal de funcionários públicos e pensionistas será pago por inteiro em Novembro, representando um acréscimo de despesa no quarto trimestre de 0,5% a 0,7% do PIB, em relação ao período homólogo de 2017, devendo contribuir para um crescimento do PIB maior do que o previsto pelo Governo.
Compreende-se em parte porque ocorrem estes desvios. Por um lado, o Governo pretende não falhar os objectivos para o défice, preferindo apresentar desvios favoráveis. Por outro lado, ao não assumir os desvios favoráveis, fortalece a sua posição negocial com BE e PCP e com os sindicatos.
Mas tal significa que dados fundamentais do OE2019 não correspondem à realidade. E esse parece-me um ponto de partida errado.
Assim, deste OE2019 já deveria constar um saldo orçamental positivo, que o governo almeja mas não arrisca confessar. Não que me pareça a melhor escolha, porque o fundamental é colocar a economia a crescer sustentadamente a taxas mais elevadas e está-se a perder uma oportunidade única. Mas, sendo essa a escolha do Governo, seria bom que constasse do OE2019, sem medos nem calculismos políticos.
Tudo indica que, em 2019, a conjuntura externa não será tão favorável. O ministro sinaliza no seu texto de opinião que nos aproximamos do fim do ciclo económico de crescimento, mas poderá não ser necessariamente assim depois da longa estagnação que o país atravessou. E não nos devemos dar por satisfeitos por 19 trimestres de crescimento que nos deixa praticamente onde estávamos em 2008.
As medidas negociadas entre o Governo, autarquias, PS, BE e PCP, que continuaram até ao último momento, são pequenas no cômputo da despesa total e tendem a ser compensadas por aumento de receitas, de forma a cumprir as regras do Tratado Orçamental, e que PS, BE e PCP estão a fazer de forma inteligente alinhada com as suas preferências ideológicas e políticas.
As medidas são simbólicas e significativas: o aumento de pelo menos dez euros das pensões, a redução das propinas das universidades, livros escolares gratuitos até ao 12.º ano, a redução do preço dos passes dos transportes urbanos (talvez uma das mais importantes medidas deste OE, com um impacto de 100 milhões de euros) e a expectativa da redução das tarifas eléctricas. Esta última medida será implementada através de transferências extraordinárias de 190 milhões de euros e de 200 milhões de euros (0,1% do PIB) em 2018 e 2019 para reduzir a dívida tarifária eléctrica, despesa não recorrente que não conta para o défice estrutural, ao contrário do que aconteceria se se optasse por uma redução do IVA. A questão com esta redução de dívida é se a dinâmica no mercado de electricidade se traduzirá de facto na descida dos preços para os consumidores ou, pelo contrário, não se transforma em ganhos para os produtores de electricidade.
Os 50 milhões de euros para aumento dos salários dos funcionários públicos são a vergonha deste OE. Em 2019, o Governo deveria aumentar os salários, no mínimo, à taxa de inflação.
A crítica da oposição (orçamento eleitoralista) parece mal conseguida. É um Orçamento que não ambiciona muito.
Em suma, é o primeiro Orçamento com um + desde 1973, mas que vem camuflado para a praça pública. Depois de anos de crise ficamos contentes com relativamente pouco. Em 2020 haverá mais uns pozinhos...