Kathryn Mayorga versus Cristiano Ronaldo
Este processo poderá ser de novo arquivado ou vir a desembocar numa acusação criminal.
A guerra judicial iniciada por Kathryn Mayorga, a norte-americana que acusa Cristiano Ronaldo de a ter violado em 2009, num hotel de Las Vegas, tem, para já, dois campos de batalha.
O primeiro é o processo-crime que estava arquivado no Las Vegas Metropolitan Police Department (LVMPD) e que foi recentemente reaberto a pedido da queixosa. O LVMPD confirmou ter sido apresentada uma queixa, a 13 de Julho de 2009, por abuso sexual, tendo sido efectuados exames à vítima, queixa que viera a ser arquivada uma vez que a vítima não identificara o agressor nem o local da agressão. Segundo os advogados de Mayorga, esta teria identificado Ronaldo como o agressor algumas semanas mais tarde em novas declarações à polícia, tendo-lhe então sido dito que, caso avançasse com o processo, iria ser sujeita a retaliações e o processo seria publicamente apresentado como uma tentativa de extorsão.
Certo é que o processo foi, agora, reaberto e o LVMPD irá efectuar novas diligências, entre elas, muito provavelmente, ouvir o denunciado. Este processo poderá ser de novo arquivado ou vir a desembocar numa acusação criminal e, nesse caso, poderá vir a ser emitido um mandado de captura internacional caso Ronaldo não se apresente voluntariamente para responder. Nessa sub-hipótese, um lugar absolutamente seguro para o jogador será Portugal já que a nossa Constituição determina que a extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada.
A outra frente da batalha é o processo cível em que o que está em causa é o pedido de uma, seguramente, elevadíssima indemnização – ainda não quantificada, tanto quanto é público – por danos ou prejuízos gerais, especiais, punitivos e ainda “alívio emocional” (emotional relief). Mas para chegar aí, Mayorga – para além de ter de provar que aconteceu aquilo que agora afirma publicamente – terá de conseguir que o Clark County District Court, o tribunal onde corre este processo, declare nulo e de nenhum efeito o acordo de confidencialidade (Non Disclosure Agreement) que celebrou com Ronaldo e em que recebeu 375.000,00 dólares (que teria de devolver).
Estes acordos de confidencialidade (NDA) ou pactos de silêncios urgiram nos anos 40 do século passado no âmbito do direito marítimo, tendo-se tornado comuns, em seguida, nos contratos com empresas tecnológicas com o objectivo de proteger segredos comerciais e informáticos, nomeadamente nos contratos de trabalho de forma a assegurar a “lealdade” dos empregados com a ameaça do pagamento de elevadas multas. Nos anos 90, os NDA generalizaram-se mas foram postos em questão quando Jeffrey Wigand violou o NDA que assinara e revelou os riscos para a saúde do consumo do tabaco que estavam a ser deliberadamente ocultados pela indústria do tabaco. Mas foi recentemente, com o surgimento do movimento #MeToo e a descoberta da forma como Harvey Weinsten utilizou, de forma sistemática, esses acordos, comprando o silêncio das vítimas para poder continuar a sua actividade de predador, que o valor dos NDA foi contestado de uma forma genérica, surgindo, inclusive, em diversos estados, iniciativas legislativas para reduzir significativamente o seu âmbito.
Para anular a validade do acordo celebrado, os advogados de Kathryn Mayorga terão de provar que este NDA é um “contrato inaceitável” (unconscionable contract), nomeadamente porque Mayorga estava numa situação negocial imensamente inferior à de Ronaldo, inclusive tendo sido coagida a assiná-lo, pelo que não lhe foi possível a defesa dos seus direitos e interesses; ou, ainda, terão de provar que este NDA visa ocultar um crime de violação – em alguns estados, são proibidos os NDA em certos caso de abusos sexuais – embora as decisões dos tribunais sobre esta matéria não sejam uniformes.
É isto que os advogados de Mayorga estão a tentar, também com a reabertura do processo-crime, e que os advogados de Ronaldo já estão a contrariar, nomeadamente, afirmando serem falsos (pirateados informaticamente) alguns dos documentos com afirmações de Ronaldo, cujos originais, seguramente, os advogados da queixosa não terão em seu poder pelo que dificilmente poderão fazer a prova da sua autenticidade... Prognósticos? Só no fim do jogo.