Há um “novo” Goya para ver em Saragoça
Pequeno esboço do mestre aragonês, intitulado Visión fantasmal e com paradeiro desconhecido desde 1928, foi doado ao Museu de Saragoça, que actualmente também põe em diálogo os quadros de Goya com os sonhos de Luis Buñuel.
Não será aquilo a que se possa chamar uma obra inédita ou uma nova descoberta relativa a Francisco Goya (1746-1828), um mestre das artes que muitas vezes é notícia por circunstâncias deste género. Desta vez, fala-se do aparecimento de um quadro de que se tinha notícia, mas cujo paradeiro era desconhecido há quase um século.
Visión fantasmal é o título de um pequeno óleo (26 x 17 centímetros) que, desde esta segunda-feira, pode ser admirado na exposição permanente do Museu de Saragoça, Espanha. Trata-se de uma obra que passou a integrar a colecção do museu na sequência da doação feita por uma família aragonesa que preferiu manter o anonimato e que incluiu no gesto dois outros pequenos quadros de outros tantos pintores de relevo na história da pintura aragonesa e espanhola do século XVIII: Francisco Bayeu (1734-1795) e Juan Martín de Goicoechea (1732-1806).
A apresentação de Visión fantasmal motivou a atenção da imprensa espanhola e foi mesmo acompanhada pela presença do director-geral da Cultura e do Património do Governo de Aragão, Nacho Escuín, que enfatizou a "grande alegria” motivada pela doação, que irá proporcionar aos cidadãos da terra e aos visitantes desfrutar destas obras que inesperadamente passaram a pertencer ao património comum.
Na mesma ocasião, Arturo Ansón Navarro, um historiador da arte e especialista na obra de Goya, desvendou a história de Visión fantasmal, que atribuiu, sem qualquer dúvida, ao autor d’Os caprichos e que inclusivamente datou de 1801, altura em que o pintor tinha regressado a Saragoça para rever a família e os amigos, mas também para retocar um quadro que tinha realizado, no ano anterior, para a Igreja de San Fernando de Torrero.
Visión fantasmal – mesmo sendo apenas um esboço para o que se imaginaria vir a resultar numa tela de grande dimensão, que no entanto não veria a luz do dia – não só denota a técnica de Goya como corresponde à temática fantástica que ele iria cultivar nos anos subsequentes, nomeadamente no período entre 1797 e 1800, quando ficou surdo e doente, como refere a notícia do jornal El País.
Neste esboço, Goya encena a “visão fantasmática” de um personagem demoníaco que irrompe num ambiente de alguma obscuridade, ladeado por dois vultos mais pequenos, mas pairando ameaçadoramente sobre um grupo de minúsculos seres humanos.
Arturo Ansón Navarro arrisca mesmo dizer que este “capricho fantasmático” foi pintado “à primeira”, não tendo demorado mais de meia hora. E corresponde a uma temática e a um princípio de representação que já denota rasgos pré-românticos, que iriam surgir na fase final da obra de Goya.
Uma fotografia de 1928
Até ao momento, Visión fantasmal era apenas conhecida pela reprodução fotográfica a preto-e-branco que tinha sido publicada em 1928, na revista Aragón, do Sindicato de Iniciativas e Propaganda de Aragão, num número precisamente dedicado a assinalar o centenário da morte do pintor.
Nesse ano – afiança Ansón Navarro –, a pintura era propriedade dos condes de Gabarda, e encontrava-se no seu palácio em Saragoça. É seguro que, depois dessa data, não mais voltou a ser vista ou citada. Mas, antes, terá pertencido à colecção particular de um amigo de Goya, Juan Martín de Goicoechea (1732-1806), que incluía vários outros “Goyas” que viriam a dispersar-se nas sucessivas transmissões de bens após a morte do coleccionador.
As duas outras obras que integraram a doação agora feita ao Museu de Saragoça são igualmente dois esboços, mas estes de temática religiosa: El Martirio de San Eugenio, de Francisco Bayeu, que esteve na origem de uma pintura mural para o claustro da Catedral de Toledo; e um San Lucas, de Antonio González Velázquez, estudo para outro fresco representando os santos Justo e Pastor, na actual basílica de São Miguel, em Madrid.
Quem entretanto visitar o Museu de Saragoça vai também poder cruzar a visão de Visión fantasmal com outras criações de Goya actualmente aí expostas, numa mostra que as põe em diálogo com o imaginário de Luis Buñuel – Los sueños de la razón: Goya + Buñuel vai ficar patente até 30 de Dezembro.