May e Johnson cavam trincheiras na guerra dos tories sobre o “Brexit”
No arranque do congresso dos conservadores, a primeira-ministra pediu apoio do partido ao “plano Chequers”, mas não descartou compromisso com Bruxelas. Ex-ministro dos Negócios Estrangeiros catalogou proposta de May de “tresloucada” e questionou a sua crença no “Brexit”.
Não era exactamente uma dúvida e passou rapidamente a certeza: a agenda da edição deste ano do congresso do Partido Conservador encontra-se totalmente ofuscada pelo “Brexit”. E no arranque do encontro anual dos tories, este domingo na cidade inglesa de Birmingham, Theresa May e Boris Johnson – os dois principais rostos da fractura interna do partido no que aos planos para a saída do Reino Unido da União Europeia diz respeito – recorreram à comunicação social para fazerem as respectivas declarações de intenções sobre o tema, moldando com elas o debate que se arrastará até à manhã da próxima quarta-feira, quando a primeira-ministra e líder do partido colocar um ponto final no evento, com o tradicional discurso de encerramento.
Em entrevista ao Sunday Times, publicada este domingo, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros catalogou a proposta do Governo para o “Brexit” de “tresloucada” e questionou a convicção de May sobre os benefícios do divórcio com a UE.
“Ao contrário da primeira-ministra, eu lutei pela saída, acredito nela, penso que é o caminho certo para o nosso país e, infelizmente, acho que o que está a acontecer não é aquilo que foi prometido às pessoas em 2016”, afirmou Johnson, que abandonou o executivo em Julho, em choque com o chamado “plano Chequers” desenhado por May para enquadrar o relacionamento futuro entre o Reino Unido e a UE depois do "Brexit".
A resposta da primeira-ministra foi dada via BBC. Em conversa com o jornalista Andrew Marr, a líder do executivo insistiu que a sua proposta continua a ter pernas para andar, pese ter sido rejeitada por Bruxelas no encontro informal de chefes de Governo em Salzburgo e contestada dentro e fora do Partido Conservador.
A primeira-ministra instou os militantes a unirem-se em volta do “plano Chequers” e assegurou que, ao contrário do que Boris Johnson sugere, “acredita no ‘Brexit’”. Pelo meio incentivou o lider da oposição, Jeremy Corbyn, e o Partido Trabalhista a “pararem de brincar à política com o ‘Brexit’” e “começarem a actuar de acordo com interesse nacional”.
“É por acreditar [no ‘Brexit’] que estou a ser ambiciosa. É por acreditar [nisso] que pretendo conseguir um bom acordo de comércio livre com a União Europeia – que constitui o núcleo do ‘plano Chequers’”, afiançou May, acrescentando também que é por entender que a sua proposta é a melhor solução para o Reino Unido que está a preparar o país para um cenário de “não-acordo”. “Vamos conseguir um ‘Brexit’ bem-sucedido, independentemente do resultado das negociações [com Bruxelas]”.
A líder do executivo negou que o “plano Chequers” – que propõe uma zona de comércio livre com a UE apenas para a transacção de bens industriais e produtos agrícolas – coloque em causa a integridade do mercado único, como argumentam os líderes europeus, e defendeu que a criação de uma sistema regulatório comum para bens, e não para serviços, é a solução mais acertada para evitar uma fronteira física entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte.
Ainda assim, May não fecha totalmente a porta a concessões à UE. Mesmo assumindo que o seu plano é o único que está “de momento” em cima da mesa, a primeira-ministra reiterou que continua a aguardar por contrapropostas dos 27 Estados-membros: “Necessitamos de saber quais as suas preocupações”.
Segundo o Independent, um grupo de trabalho dentro do Governo britânico estará inclusivamente a trabalhar num “Chequers 2”, uma proposta mais ajustada às exigências de Michel Barnier – o responsável europeu mandatado para conduzir as negociações – e da União.
Facções movimentam-se
Definido o tom do debate por May e Johnson e com manifestações populares contra e a favor do “Brexit” nas imediações do Symphony Hall de Birmingham, as diferentes facções do Partido Conservador começaram de imediato a mover fichas, de acordo com os seus interesses, preparando o terreno para as negociações oficiais e de bastidores que ocorrerão nos próximos três dias.
Apoiantes de May, como o ministro do Interior, Sajid Javid, ou a líder dos conservadores escoceses, Ruth Davidson, uniram-se à volta da líder do Governo. “Chegou agora a altura de os conservadores apoiarem a primeira-ministra e darem-lhe espaço para conseguir um acordo”, disse Davidson à BBC.
A dirigente escocesa pediu ainda “um período de silêncio” a Boris Johnson, relembrando de forma crítica, que o ex-ministro “fez parte de um principais ministérios do Governo durante o período em que foi concebida grande parte” do “plano Chequers”. E que por isso deve respeitar a posição de May.
Já David Davis, ex-ministro para o “Brexit” – abandonou o Governo pelos mesmos motivos que Johnson – e outros membros eurocépticos do partido esperam que o congresso sirva para convencer May a optar por um acordo de comércio com moldes semelhantes ao que existe entre a UE e o Canadá.
“Chequers vai morrer. Penso que há 80% ou 90% de probabilidades de haver acordo e que o mesmo acabará por ser aquilo a que o Boris [Johson] chamou de ‘Super Canadá’”, vaticinou Davis, em declarações à Sky News, deixando a certeza de que “os próximos meses serão realmente assustadores”.
Num outro espectro do debate, o deputado e antigo procurador-geral, Dominic Grieves, revelou que um número “significativo” de tories pró-UE está preparado para apoiar um segundo referendo ao “Brexit”, caso se chegue ao dia 29 de Março de 2019 – a data oficial da saída britânica – sem qualquer acordo.
Um cenário que o ministro do Comércio, Liam Fox, diz que se deve abandonar de uma vez por todas. “Temos parar de lutar contra o referendo e juntarmo-nos para honrar a vontade democrática da população britânica. Ou arriscamo-nos a comprometer a fé no próprio sistema democrático”, disse aos militantes, citado pela Reuters, durante a sessão da tarde do congresso.
Eleitores com Chequers?
Apesar do estado de fragmentação do Partido Conservador, a proposta de May para a saída da UE tem mais apoio do que aparenta junto do eleitorado tory. Pelo menos é essa a conclusão de uma sondagem da GQRR realizada entre os dias 24 e 26 de Setembro e revelada este domingo pelo Politico.
Segundo o estudo, 64% dos participantes conservadores defendem que os deputados do partido devem aprovar um eventual acordo entre May e Bruxelas, quando este for apresentado à Câmara dos Comuns, independentemente do seu conteúdo. Por outro lado, 59% desaprova uma rebelião parlamentar contra o acordo final.
“O ‘plano Chequers’ parece estar a oferecer a Theresa May um nível mínimo de satisfação pública [tory], seguramente maior do que um cenário de não-acordo ofereceria. Se os deputados votarem contra [o plano] poderão colher imensa insatisfação junto dos seus próprios eleitores”, explica o vice-presidente da GQRR Peter McLeod.