Governo britânico prepara cidadãos para as dificuldades de um “Brexit” sem acordo
Executivo de May divulga plano de contingência para hipótese de falhanço nas negociações com Bruxelas e diz-se preparado para todos os cenários. Prevê-se caos burocrático e problemas para expatriados.
A posição do Governo britânico, quando confrontado com a possibilidade de chegar ao dia 29 de Março de 2019 sem um acordo sobre os termos da saída do Reino Unido da União Europeia, mantém-se: tudo fará para o evitar. Mas a divulgação do primeiro documento de consequências, recomendações e alertas para esse cenário – direccionados a empresas e consumidores –, aliada à falta de avanços nas conversas com Bruxelas, aumentou as probabilidades de o mais disruptivo dos divórcios poder mesmo vir a acontecer.
Em conferência de imprensa esta quinta-feira o ministro para o “Brexit”, Dominic Raab, insistiu que “o desfecho mais provável das próximas semanas é o de um acordo negociado”. Mas afirmou que “o Reino Unido deve estar preparado para qualquer eventualidade”, incluindo a que os economistas prevêem como a mais prejudicial para a economia britânica.
“Como Governo responsável, temos o dever de planear qualquer possibilidade. E para fazermos isto é necessário termos uma conversa sensível, responsável e realista sobre o que uma situação de ‘não-acordo’ significa na prática”, explicou o homem que em Julho rendeu David Davis, que abandonou o cargo devido a divergências profundas com o plano para um “soft-Brexit” (com acordo), de Theresa May. “Com ou sem acordo, as nossas instituições vão estar preparadas para o 'Brexit'”, afiançou, no entanto, Raab.
A publicação das primeiras 24 “notas técnicas” – de um total de 84 que serão divulgadas pelo executivo até ao final de Setembro – para um cenário de ausência de acordo ("hard Brexit"), surgem poucas semanas depois de Liam Fox, ministro do Comércio, ter dito que as probabilidades de uma saída britânica do clube europeu, sem qualquer compromisso com a UE, são de 60%.
A alimentar essa possibilidade está ainda o actual impasse nas negociações entre Londres e Bruxelas, retomadas no início desta semana. O “Plano Chequers”, como ficou conhecida a proposta da primeira-ministra, não foi recebido com grande entusiasmo em Bruxelas e está a pôr em causa a planificação com os 27. A cimeira europeia de 18 de Outubro figura na agenda como data limite para a obtenção de um acordo, mas a falta de desenvolvimentos nas negociações pode arrastar a decisão até à cimeira de 13 de Dezembro.
Uma hipótese que, dada a proximidade com o dia da saída formal e a necessidade de ainda haver votações no Parlamento britânico sobre o acordo, reduziria a margem de manobra de May na obtenção de um compromisso à sua imagem.
Keir Starmer, do Partido Trabalhista, encara o discurso de Raab e o documento divulgado pelos tories com enorme desconfiança. O “ministro-sombra” trabalhista para o “Brexit” diz que o movimento do Executivo demonstra que as negociações com a UE “vão muito mal” e que é um sinal de que May está a “entrar em pânico”. “Um ‘não-acordo’ nunca foi viável e representaria um completo falhanço da estratégia negocial do Governo”, defendeu em comunicado.
Horas antes da intervenção de Raab, o responsável pela pasta do “Brexit” na oposição liderada por Jeremy Corbyn já tinha admitido a hipótese de se realizar um segundo referendo à Europa, no caso de a Câmara dos Comuns rejeitar o acordo final entre Governo e Bruxelas. Foi a primeira vez que alguém com uma posição de destaque dentro do Labour disse abertamente ser essa a posição do partido. “A minha experiência dos últimos anos diz-me que devemos manter todas as opções em cima e não por baixo da mesa”, declarou à BBC Radio 4.
Fim da livre circulação
Na sua avaliação aos desafios de um “no deal” o Governo britânico reconhece dificuldades. O documento divulgado esta quinta-feira aponta para o fim da livre circulação de bens entre o Reino Unido e o bloco comunitário e para a entrada em vigor das tarifas definidas pela Organização Mundial do Comércio, que fazem prever um aumento brutal da burocracia, atrasos nas alfândegas e quebras consideráveis no fluxo de tesouraria das empresas.
O principal alerta do Governo para os consumidores prende-se com os obstáculos adicionais para os cidadãos britânicos residentes em Estados-membros da UE. De acordo com o documento, os custos associados a pagamentos através de cartão de crédito no continente europeu “irão aumentar” e os expatriados que tenham contas em bancos britânicos “podem perder a possibilidade de aceder a empréstimos, depósitos e seguros”.
O Executivo alerta ainda para a necessidade de um reforço significativo das reservas de medicamentos oriundos da UE, para evitar cenários de escassez deste tipo de produtos.
Saída sem acordo - os principais alertas do Governo britânico
Comércio
A livre circulação de bens entre o Reino Unido e a UE “vai terminar” e passarão a aplicar-se as tarifas da OMC nas transacções entre a ilha britânica e os 27 Estados-?-membros. Tais mudanças fazem prever um aumento brutal da burocracia, atrasos nas alfândegas e quebras consideráveis no fluxo de tesouraria das empresas.
Serviços financeiros
Custos associados a pagamentos por cartão de crédito na União Europeia “vão aumentar”, processamento dos mesmos vais “ser mais lento” e os expatriados que tenham contas em bancos britânicos “podem perder a possibilidade de aceder a empréstimos, depósitos e seguros”. Mais de um milhão de britânicos pode ter vir a ter dificuldades em receber salários ou pensões.
Medicamentos
Falta de acordo entre Londres e Bruxelas faz prever diminuição do fluxo de medicamentos da UE para o Reino Unido. Governo aconselha empresas farmacêuticas a ter reservas de medicamentos “até seis semanas” para evitar situações de escassez.
Irlanda do Norte
Governo diz-se comprometido em agir em conformidade com os “interesses” dos norte-irlandeses, mas recomenda aos comerciantes com volume de negócio na República da Irlanda que procurem aconselhamento em Dublin.