O ioga pode ser exercício físico puro, como defende Mafalda Antunes, personal trainer; também pode ser uma prática terapêutica, diz por seu lado a professora de ioga Teresa Viana; ou pode ajudar no bem-estar físico e mental, acrescenta Catarina Lino, psicóloga e professora de ioga.
O PÚBLICO falou com três das mais de três dezenas de professores e intervenientes no festival Wanderlust, que quer juntar cerca de 3500 participantes para um triatlo de corrida, ioga e meditação, já no próximo domingo, em Lisboa.
Teresa Viana: da Marinha aos cuidados no fim de vida
A vida adulta de Teresa Viana começou na Marinha, como militar, depois estudou para ser personal trainer – “sempre fiz desporto” –, passou pelo curso de fisioterapia e, “aos poucos”, foi chegando ao ioga, conta no ginásio Holmes Place, em Miraflores, onde dá aulas. “A minha intenção é cuidar e estar com as pessoas. Vejo corpos definidos mas não vejo mentes focadas. Há pessoas que não dormem bem, tomam comprimidos. Então, pergunto-me, de que forma posso ajudar? O ideal é trabalhar a forma física, mas também a mental”, explica.
Foi com essa intenção que trabalhou com atletas conhecidos, como Nani e Rui Patrício, nomeia, para quem as aulas de ioga eram desenhadas para trabalhar posturas e lesões que os futebolistas tinham, mas também a concentração. “Se conseguissem dormir bem depois da aula, é porque tínhamos feito um excelente trabalho”, conta. “Com o ioga é possível trabalhar a força, o equilíbrio, a concentração, a respiração, a mobilidade, o relaxamento e isso é a base para conseguir meditar”, acrescenta.
Teresa não se esquece dos primeiros dois clientes e de como estes delinearam o que queria fazer na vida. De um lado, começou a acompanhar Nani, então jogador no Manchester United; do outro, uma portadora de cancro. “Os dois estavam em dor. Foi há cinco anos, [então] cortei o cabelo para ficar como a minha aluna”, recorda. Desde então essa é a sua imagem de marca.
E não se trabalha da mesma maneira um atleta e um doente. “O ioga é abrangente. Com ela desenvolvia mais a meditação. Ele era um atleta com lesão e mentalmente em baixo porque estava há muito tempo no banco. O ioga vai ao amor-próprio e ajuda a encontrar a serenidade no meio da dor”, explica Teresa Viana, que dá aulas em três clubes e ao domicílio.
O ioga permite “trabalhar o corpo de forma mais consciente”, defende, evitando mesmo lesões. A professora lembra que, por exemplo, o programa de aquecimento FIFA 11+ se baseia em posições do ioga. Além disso, através desta prática consegue-se trabalhar a “força física, mental e emocional”. Afinal, o ioga para os desportistas pode ser “um complemento do acompanhamento psicólogo”, defende Teresa, que também já trabalhou com atletas de bodyboard. Porque se a parte física é importante, Teresa não descura a mental: “É fácil estender o colchão [essencial para a prática do ioga], o mais difícil é a pessoa estar consigo própria.” É essa parte que procura aprofundar com os seus alunos, mesmo com os que estão doentes. O próximo desafio é fazer uma formação em cuidados paliativos.
Mafalda Antunes não faz ioga, mas prescreve-o
Formou-se em educação física, foi consultora, deu formação profissional, foi proprietária de ginásios e a vida familiar levou-a a criar programas que ministra quer presencialmente quer online. Mafalda Antunes é personal trainer, preparadora física e, como tal, prescreve treinos para emagrecimento ou para recuperação pós-parto. Pelo meio, pode aconselhar o ioga, diz ao PÚBLICO, no Jardim da Estrela, em Lisboa, antes de dar uma aula.
“O ioga pode ser adaptado à prática desportiva e melhorar a prática de atletas de alta competição, e pode, por exemplo, ter um papel determinante no emagrecimento”, começa por dizer, justificando que um dos benefícios é a “redução dos níveis de stress”. Mafalda Antunes dá um exemplo: quem treina ao final do dia com níveis de stress elevados, só precisa de uma actividade que reduza o stress, e essa pode ser o ioga, em vez de aulas que aceleram o ritmo cardíaco.
“Há uma visão global que é importante desmistificar em termos de fisiologia do exercício: o ioga não é esotérico”, defende a professora. Por isso, a sua contribuição no domingo será precisamente essa: “Falar de como é que o ioga pode ser a resposta, por exemplo, para pessoas que estão sedentárias há muito tempo. Pode ser bastante prazeroso. É mais user friendly se o compararmos com um treino de alta intensidade.”
A Mafalda Antunes não interessa o lado espiritual do ioga. “Chego ao ioga como uma pessoa da ciência. Posso explicar os benefícios da sua prática, o que acontece no nosso corpo em termos hormonais e bioenergéticos (do consumo de energia)”, salvaguarda. Dá aulas de body balance, que é uma “fusão, é um programa de treino que vai buscar posições ao ioga, ao tai chi e ao Pilates”, define. No entanto, reconhece que o ioga é um “momento de estar consigo próprio”. “É um momento de conexão com o eu, de sentir o corpo. Pode ser uma moda, mas as modas inspiram-nos, e tudo o que seja gatilho para fazer exercício físico é bem-vindo”, conclui.
Catarina Lino, da psicologia à meditação
Andava à procura do seu equilíbrio emocional quando se cruzou com o ioga. Catarina Lino fez o seu primeiro curso para ser professora desta prática na Índia, e depois disso já fez formação na Tailândia, México, Havai e Baamas. “Fui para a Índia, queria a experiência crua, sem conforto, e foi muito diferente. Desde aí comecei a dar aulas”, começa por dizer ao PÚBLICO numa esplanada de Lisboa.
Mais importante do que as acrobacias que se conseguem fazer na prática do ioga, o que motiva Catarina Lino é fazer a ligação entre a sua formação inicial, a psicologia, e o ioga. “Gosto de falar sobre a vida e os temas que me desafiam e me preocupam”, confessa. Contudo, “qualquer razão que leve uma pessoa ao tapete de ioga é válida”.
A professora, que entretanto fez uma pós-graduação em Psicologia Positiva, defende que o ioga “é uma maneira de estar na vida, é um todo”. “Se uma pessoa não está bem, não consegue ter energia ou vitalidade, então é por aí que tem de começar”, aconselha. Actualmente, Catarina Lino trabalha com os alunos a autocompaixão, um termo “mais completo” do que a auto-estima, refere. “A autocompaixão tem que ver com a forma como nos tratamos a nós mesmos quando temos um desafio. É a capacidade de nos tratarmos como trataríamos um amigo, sem sermos tão exigentes connosco próprios, estabelecendo um diálogo mais suave e amistoso: ‘OK, toda a gente erra de vez em quando’, em vez de nos julgarmos. É a forma de suavizarmos o nosso diálogo interno”, explica.
À partida parece que não há qualquer ligação entre a autocompaixão e o ioga, mas essa existe. “Faz toda a diferença perceber que a pessoa pode ser talentosa e por dentro estar a recriminar-se e a ser dura consigo mesma. Por isso, mais vale ter uma prática de acordo com o seu corpo, do que forçá-lo para ser aceite pelos outros”, propõe, lembrando que nunca, entre os jovens, houve tanta pressão como actualmente.
Catarina Lino defende que as posturas do ioga foram criadas para as pessoas terem um corpo saudável e atingirem um estado espiritual. “Há coisas que a ciência diz que o budismo já dizia. Há mestrados que vão beber às fontes mais antigas das filosofias orientais e que estabelecem pontes com a ciência. O mindfulness não é mais do que tirar a parte religiosa da meditação”, aponta.
As aulas de Catarina Lino podem variar entre 60 e 90 minutos e são dadas em resorts de surf, mas também a título particular. A professora nota que em Portugal já há muita gente a praticar uma modalidade que nos EUA “é uma indústria gigante”. “Acho que [o ioga] não é uma moda, mas que está para ficar porque as pessoas percebem que o ritmo de vida, o caminho que a sociedade ocidental está a levar, as afasta do silêncio e que este é fundamental”, conclui.