Plástico: é urgente descartar um “estilo de vida assente na descartabilidade”

Will McCallum é o responsável para os oceanos na Greenpeace do Reino Unido. No livro Viver Sem Plástico expõe o problema e foca-se nas soluções. É “uma chamada à luta” que mostra o que cada um pode fazer numa crise que “só se resolve com a acção de todos”.

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mali maeder/Unsplash

De palhinha na boca, enquanto seguram um copo de plástico — um novo todas as manhãs —, satirizam: “E é por eu começar a beber de uma caneca que vou salvar o mundo?” Do outro lado, o colega de trabalho, o amigo, o familiar, o desconhecido que lançou o alerta para o excesso “desnecessário e problemático” de plástico descartável congela por segundos. É aqui, e em muitas outras interacções semelhantes a esta, que entra o Viver sem Plástico — Guia para mudar o mundo e acabar com a dependência do plástico, escrito por Will McCallum, o activista responsável pelos oceanos na Greenpeace, no Reino Unido.

O livro nada mais é do que uma pancadinha nas costas a quem “luta diariamente contra a maré de poluição” e um empurrão (de incentivo) com a outra mão a todos os outros que ainda alimentam a “sopa de plástico em que os oceanos se estão a tornar”.

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O livro está traduzido em português e tem o apoio da Quercus

Dê-se razão aos mais cépticos: o poder real das acções individuais é “muito limitado”. E, mesmo assim, o activista escreveu um livro inteiro sobre elas — sem cair em qualquer contradição. “Precisamos de um movimento global constituído por mil milhões de actos individuais”, ri-se. Atenção: dos habitantes da “mais pequena aldeia” até aos habitantes do “arranha-céus mais altos”, isto é “uma chamada à luta”.

“Não é justo passarmos toda a responsabilidade para cima dos cidadãos”, defende, em entrevista ao P3. “É por isso que este livro não se restringe às iniciativas que pode aplicar em casa”, mesmo que não as deixe de lado.

O “maior poder que cada um de nós tem”, no entanto, é “o de denunciar os maus exemplos de empresas e governos”. “Obrigá-los a responsabilizarem-se. Reclamar quando vê algo que não gosta”, aconselha. O que não é o mesmo que dizer que, depois de convencer todos os estabelecimentos comerciais da zona onde mora a proibirem os sacos de plástico, possa celebrar com uma festa onde sirva os convidados em pratos descartáveis e ir dormir de consciência (ambiental) tranquila. Não são “acções mutuamente exclusivas”, resume o activista.

Há já três anos que McCallum leva sempre o mesmo tema para a mesa de reuniões onde se senta com membros do governo e responsáveis por empresas do sector privado. É ele que lidera a campanha global da Greenpeace que pretende criar na Antárctida a maior área protegida na Terra. A nível nacional, no Reino Unido, onde vive, supervisiona as acções da organização não-governamental pelo ambiente relacionadas com a protecção da vida marinha e com o sector piscatório. Tem experiência em negociações políticas, lobbying e no desenvolvimento e implementação de políticas públicas. Formou-se em literatura e linguística (iraniana e persa) na Universidade de Oxford e começou um doutoramento em filosofia política.

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Will McCallum, autor do livro Viver Sem Plástico. Passou um mês num barco na Antárctida com sua equipa e descobriu que o plástico já chegou à região mais remota do planeta

O activista arrancou com a campanha dedicada à poluição causada pelo plástico ao aperceber-se de uma divergência entre quem, “na nossa sociedade, parecia ser responsável pelo problema” da crise do plástico e “quem realmente deveria ser responsabilizado”. Com espanto, começou a perceber que a maioria das campanhas e da comunicação na esfera pública parecia não admitir” que “os produtores de embalagens de plástico estão a fabricá-las em doses industriais” sem que façam “qualquer planeamento sobre o destino a dar às mesmas”. Os responsáveis políticos, “pura e simplesmente, não estão a fazer tudo o que deveriam para obrigar os produtores a assumirem a sua responsabilidade”, acusa, na página 31 do Viver Sem Plástico, o guia editado pela Penguin Books que está desde final de Agosto nas prateleiras das livrarias portuguesas.

Não duvida: são urgentes “alterações bastante radicais” e “medidas proibitivas”, conseguidas apenas com a reunião do triângulo “cidadãos individuais, Estado e empresas”.

O alerta dado por aquela pessoa hipotética no início do texto, é um exemplo disto mesmo: “um reforço da mensagem, no seio da própria comunidade” que ajudou “a despertar tanta atenção para este problema”. A maior diferença desde que começou a campanha, há três anos “é o crescimento massivo da sensibilização do público para o assunto”. A investigação científica sobre as consequências reais do problema ainda é parca, “mas também tem vindo a aumentar”. Agora, é “fundamental não perder o ímpeto”.

Ricardo Rojas/ Reuters
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Pergunte antes: “como posso ajudar?”

Fala-se muito em reciclar, quando há outros dois “R’s” à espera de serem postos em prática: reduzir e reutilizar. Considere ainda um outro: rejeitar sempre que possível. E, se a pessoa a quem disse “Não, obrigado” não entender porquê, explique as suas razões. McCallum reitera que “não haverá nenhum sistema de gestão ou de reciclagem de resíduos à face da Terra capaz de processar a quantidade de resíduos que produzimos, sem provocar significativos impactos ambientais”. Pensar nisto “não é uma boa solução a longo prazo”, nem tampouco exequível “à escala mundial”.

Antes, é urgente descartar um “estilo de vida assente na descartabilidade”. Parar a produção de plástico significa, automaticamente, haver “menos plástico em circulação”. Isto engloba ainda os bioplásticos e os plásticos feitos a partir de biomassa, avisa a Greenpeace. Oito capítulos do guia são dedicados a sugerir alternativas para uma vida útil mais longa ou que não necessitem de uma embalagem. Tarefa simples, já que a “vasta maioria não é sequer necessária” (salvo raras excepções).

É possível usar — e inspirar outros a fazê-lo — recipientes recarregáveis e, quando isso não é viável, considerar fazer o próprio produto (o livro apresenta uma possível receita de pasta de dentes e há muitas formas de fazer o próprio detergente da louça ou da roupa, mais ecológico). Comprar menos e lavar menos vezes a roupa, a temperaturas baixas e dentro de sacos próprios que retenham as microfibras, é outra das sugestões. Ir às compras com sacos reutilizáveis debaixo do braço é já comum. “Pouco mais há a dizer sobre os sacos de plástico além do facto de que deveriam ser remetidos para os livros de História como uma moda outrora útil, mas agora redundante”, atira. Dê um passo em frente: não use sacos para conter a fruta e legumes e leve embalagens de vidro para a carne, o peixe e o queijo. Fale com o gerente da loja para considerarem a venda de produtos a granel, para além dos frutos secos. Ande sempre com uma garrafa de vidro, alumínio, inox ou, até, plástico duro. Não compactue com as garrafas de refrigerantes. Todos os anos, só uma conhecida marca destas bebidas fabrica 120 mil milhões de garrafas de plástico, denuncia o guia.

Se quiser envolver a comunidade onde vive, Will explica passo a passo como organizar uma limpeza de praias, como organizar uma campanha, como escrever uma carta, como dirigir uma reunião, organizar um protesto, entregar uma petição, como chamar a atenção dos órgãos de comunicação.

“Se pensas já ter visto de tudo, basta ires à padaria do Pingo Doce de Vale do Lobo, no Algarve, onde irás encontrar pão fresco individualmente embalado, um a um, em película aderente e com uma etiqueta maior do que o próprio pão. Qual é mesmo a necessidade disto?”, questiona a página @lixo_nao — 31 de Agosto @lixo_nao
"Depois de três quilómetros pelas dunas sem ver vivalma, isto", escreve Celina Santos - 28 de Agosto @umatista
“Num mundo plastificado, a mudança a uma grande escala pode ser difícil, mas há que fazer a nossa parte para que um dia possamos ter mudança de vez”, lê-se na página @framedlook — 31 de Agosto @framedlook
“Sê a mudança que queres ver no mundo“ — 30 de Agosto @jpmj.pt,@jpmj.pt
"Em apenas sete minutos... Mais países começaram a proibir o uso de plástico. Tenta sempre recusar as utilizações descartáveis de plástico e, se for inevitável, escolhe a opção mais sustentável." - 23 de Agosto @joao.pedr.cunha / Instagram
"Infelizmente tem havido um aumento do lixo neste cantinho. Todos falam de uma seca nunca vivida nos Açores, o verde já não é o mesmo verde. Tudo se está a ligar e a culpa é de todos nós. Ainda vamos a tempo de mudar." - 22 de Agosto @carlota.cms/Instagram
"Recebemos esta fotografia de uma querida, querida freguesa. Piquenique #zerowaste na lagoa azul, em Sintra." - 21 de Agosto @mariagranel.lx / Instagram
"Encontrei pela primeira vez uma palhinha de cartão/papel." - 20 de Agosto Armando Amaro / Instagram
"Plástico com queijo dentro." - 19 de Agosto @joaormoedas / Instagram
"Um saco de lixo. Não é propriamente um motivo instagramável. Pois não, mas é um reflexo do estado das nossas praias. Em dois dias seguidos, recolhi dois sacos de lixo de 20 litros iguais a este, na Praia do Magoito, em Sintra. O lixo — nomeadamente, o plástico — é uma praga que todos devemos de ajudar a erradicar." - 18 de Agosto @marcosfcmelo/Instagram
"Uma hora na praia de Vieira de Leiria. Surpreendente a quantidade de cotonetes. Continuo sem entender de onde vêm. ETARs? Pessoas com fetiche de limpar os ouvidos à beira mar?" - 17 de Agosto Isabel Monteiro Rodrigues (via email)
"Inconcebível!" - 16 de Agosto @mbentoamaral/Instagram
15 de Agosto Flor Brás (via email)
"Volta a Portugal, final da etapa em Portalegre. Um desafio para todos: tentar implementar novas atitudes neste desporto." - 14 de Agosto Nuno Guedes Pimenta (via email)
"Recolher o lixo ajudava, mas um pouco de consciência e responsabilização para quem suja também não era mau. Na praia Atlântico em Soltroia." - 13 de Agosto @eduardo.flr / Instagram
12 de Agosto @madalena_martins_ / Instagram
"Os serviços de saúde produzem uma quantidade enorme de lixo, grande parte dele de plástico. Neste conjunto pode-se ver o plástico produzido num turno. Pondo em perspectiva, a quantidade de plástico utilizada na saúde é assustadora!" - 11 de Agosto Sílvia Arrais (via email)
"Mais de 100 paus de chupa (palhinhas, cordas de pesca, beatas e outros plásticos) apanhados em 15 minutos na praia do Castelo com a ajuda da minha filha. É chocante imaginar que pais ou professores achem normal dar chupas de plástico na praia sem garantir que as crianças deitam tudo no lixo." - 10 de Agosto @edhorgan / Instagram
"Eu e seis amigos apanhámos este lixo na Lagoa de Óbidos e na praia do Cortiço." - 9 de Agosto Marta Simões (via email)
"O queijo fresco que vem na cuvete de plástico, dentro de um 'tupperware' descartável de plástico bem envolvido por película aderente, de plástico claro. No fim, tudo dentro de um saquinho..." - 8 de Agosto @mvm_grn / Instagram
"Se todos limparmos um bocadinho à volta da nossa toalha, a praia já fica melhor para todos." - 7 de Agosto @alicegama / Instagram
"Não é preciso procurar lixo na praia... Ele vem ter connosco todos os dias." - 6 de Agosto @mintbeach / Instagram
"Em vez de comprar mais cabides de plástico, pensem em usar materiais alternativos e sustentáveis, por exemplo, bambu, madeira ou metal. Os cabides de plástico são mais complicados para reciclar!" - 5 de Agosto @stephania49 / Instagram
"Nos meus singelos esforços de viver 'plastic free' na Califórnia a minha missão é infrutífera e simplesmente impossível. Na 'organic land' tudo o que me faz bem, faz mal ao ambiente — mas o que faz mal também! Estou sem opções, pois nem as cenouras escapam." - 4 de Agosto @mariaserrenholima / Instagram
"Um pepino que é biológico mas vem enrolado em plástico..." - 4 de Agosto Liliana Sousa (via email)
"E esta foi apenas a parte mais pequena da minha colecção da manhã." - 3 de Agosto @ritafirminopop/Instagram
"Na empresa onde trabalho recebemos uma encomenda de 100 cartões. Vieram envoltos em plástico, dentro de uma caixa de cartão, com almofadas de ar de plástico lá dentro; por sua vez esta caixa estava dentro de outra, com mais metros de papel bolha..." - 3 de Agosto ,"Na empresa onde trabalho recebemos uma encomenda de 100 cartões. Vieram envoltos em plástico, dentro de uma caixa de cartão, com almofadas de ar de plástico lá dentro; por sua vez esta caixa estava dentro de outra, com mais metros de papel bolha..." - 3 de Agosto Ana de São Marcos (via email)
"O São João já lá vai, mas o martelo perdura, provavelmente para sempre. No próximo ano sejam mais chatos e escolham o alho porro." - 2 de Agosto @lixo_nao / Instagram
"Uma hora de passeio pela praia. Todos os dias há lixo. E pouco civismo também." - 1 de Agosto @etel_._/Instagram
"Hoje fui juntamente com uns amigos e colegas ajudar a limpar uma praia. A nossa contribuição não foi mais do que uma gota de água comparada com a quantidade massiva de lixo que ficou lá por recolher. A praia agora é areia e um mar de lixo." @tapirus_/Instagram
"Como chegar a casa praticamente sem sacos, usando os caixotes de papelão." Andreia Castro (via email)
"Porque razão cada biscoito vem com um invólucro de plástico?" @kris_alves_design/Instagram
#savetheplanet @diogomilho/Instagram
"E é por isto que evito supermercados." @unclearfocus / Instagram
"Não bastam os sacos que 'dão', estes são para venda!" Rita Martelo (via email)
"Em 20 minutos, apanhei 283 tampas de plástico de todas as cores e dimensões" - Cabo Raso, Cascais Ana Pêgo (via email)
"Poucas são as vezes em que cato mais pedrinhas do que lixo. Levou-me pouco mais de uma hora a encontrar estes 'paus' de cotonete (muito, muito poucos chupa-chupas à mistura) numa área não superior a 150/200m2." Sílvia Pacheco (via email)
"Partilho convosco o final de um belo dia de praia." Ana Rita Cunha (via email)
"Há seis anos que eu e a minha família passamos férias na costa de Aljezur. Apesar do difícil acesso, de cada vez que vamos à Praia da Carriagem, recolhemos cerca de cinco sacos (200L) de lixo e alguns bidons. Estimo que já tenhamos passado os 800 quilos de lixo recolhidos." João Fanha (via email)
"Numa praia concessionada da Figueira da Foz (Praia do Cabedelo), o cenário é este." Solange Azevedo (via email)
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“Aceitar que as alterações que introduzimos ao nosso planeta já o tornaram irreconhecível” - os geólogos chamam-lhe antropoceno - é um comprimido difícil de engolir. “Manter a motivação” é uma das “maiores dificuldades de um activista ambiental. Mas Will McCallum aprendeu a “ser resiliente”. E a ver o lado positivo de uma “crise demasiado assustadora”: “O movimento de desplastificação está a começar a criar a visão de uma sociedade que conjuga esforços a fim de criar um mundo melhor para as gerações vindouras.”

“Estou habituado a trabalhar em campanhas em que a mudança é gradual e o interesse público baixo.” No entanto, diz “nunca” ter conhecido alguém que não se interessasse por este tópico. Ainda menos quando diz, simplesmente: "um camião carregado de lixo entra no mar a cada minuto". “Numa campanha ambiental, é muito raro sentirmos que estamos do lado dos vencedores.” Nesta, antiplástico, é assim que se sente? “Ainda estamos muito longe de gritar vitória.”

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