Deixemo-nos de rodeios e vamos directos/as ao assunto. Andamos há demasiado tempo em círculos, a justificar o injustificável, a relativizar o absoluto, a tentar mediar o que não é negociável. A homofobia — a aversão às pessoas com base na sua orientação sexual não heteronormativa — mata. Quando não mata no sentido literal, fá-lo em sentido figurado, empurrando para o armário quem já lá está e não consegue sair, ou quem lá nunca quis entrar e se vê forçado a fazê-lo.
Sob a forma de piada, insulto, agressão física, violência sexual ou terror social, a homofobia fareja quem não se encaixa na norma exclusiva e excludente de se ser verdadeiramente homem ou mulher, seguindo, atenta, o rasto de quem desvia. A homofobia, subtil ou escancarada, faz-se sentir, ouvir, ser notada, como um cão de caça ávido de sangue, sempre em prontidão para atacar.
Ainda que com ligeiras nuances, os estudos nacionais e internacionais confluem no mesmo sentido. Uma percentagem superior a 80% das pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e trans) já foi vítima de pelo menos um comportamento homofóbico ao longo da sua vida. A Agência Europeia dos Direitos Fundamentais (2014) concluiu que, até aos 18 anos, dois em cada três jovens LGBT, maioritariamente homens gays e bissexuais, esconderam ou disfarçaram a sua orientação sexual na escola para evitar situações de vitimação. Dados do Observatório de Educação LGBT (2014) da Rede ex aequo evidenciam que a maior concentração de denúncias de homofobia se situa nas faixas etárias da adolescência e do início da vida adulta (80%), tendo 45% das vítimas entre 16 e 18 anos. Também o Observatório da Discriminação em função da Orientação Sexual e da Identidade de Género (2017) da ILGA Portugal aponta a escola como um lugar de especial risco, sugerindo que a faixa etária mais afectada é a dos 18 aos 24 anos. O Estudo Nacional sobre o Ambiente Escolar (ENAE), igualmente promovido pela ILGA Portugal (2018), em parceria com o ISCTE e a Universidade do Porto, reforça que os/as jovens LGBT não se sentem seguros/as nas escolas por serem alvo de insultos e outras práticas de discriminação e violência, o que ocasiona que cerca de um quarto destes/as evite frequentar espaços como os balneários, as casas de banho ou as aulas de Educação Física.
O suicídio é, muitas vezes, o último reduto de quem não quer continuar preso no armário ou sequer lá entrar. Estão ainda por contabilizar, de forma séria, os suicídios motivados pela fuga aos ataques do cão de caça.
Chamava-se Jamel Myles e tinha nove anos. Frequentava o quarto ano na Escola de Joe Shoemaker, em Denver, no Colorado, onde terá sido vítima de bullying por ter dito orgulhosamente que era gay. Segundo a irmã, os colegas disseram-lhe para se matar, o que fez, recentemente, em casa. Disseram-lhe os colegas e dissemos-lhe nós. Nós que deixámos à solta o cão de caça assassino e não protegemos da sua avidez as pessoas — crianças e adultas — que apenas querem e têm o legítimo direito de existir.
Abramos os armários, todos. Para que mais nenhum menino de nove anos nos escape por entre os dedos.