Agitação marítima em Espinho põe a descoberto armadilha de pesca dos romanos

A estrutura foi descoberta na última semana, depois de a agitação marítima ter tirado dois metros de altura do areal.

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Adriano Miranda/Arquivo

Uma armadilha de pesca atribuída ao século II a.C. foi exposta pelo mar na praia do Pau da Manobra, revelou esta quinta-feira a Câmara de Espinho, referindo que o engenho foi concebido pela população romana à época instalada na área.

A estrutura terá sido construída em madeira e vime, destinando-se a permitir a apanha de peixe através de um sistema de onde aquele, uma vez lá entrando, não conseguisse sair. Depois de abandonado, o mecanismo foi sendo escondido pela sucessiva deposição de areias ao longo dos séculos, até que a agitação marítima da semana passada, ao retirar à praia de Silvalde mais de dois metros de altura de areal, deixou parte da peça novamente exposta.

“Os vestígios da armadilha ficaram à vista e, como pertencem ao mesmo grupo de estruturas que já descobrimos no local em 1989 e que na altura foram sujeitas a testes científicos, sabemos que são do século II a.C., do tempo dos romanos”, declarou à Lusa o chefe da Divisão de Ambiente da Câmara de Espinho, Joaquim Sá.

Alguns banhistas terão suspeitado da tonalidade turva das águas na zona onde apareceu a antiga construção de pesca, mas o mesmo responsável autárquico assegura: “Já fizemos testes à qualidade da água e não há perigo. O tom negro é só matéria orgânica resultante da libertação das partículas de madeira, que escureceram com o passar dos séculos e agora se vão soltando com o rebentar das ondas.”

A armadilha agora descoberta em Silvalde irá permanecer no seu local de origem, tal como encontrada, e, segundo a autarquia, deverá acabar por ser de novo oculta pelas areias. “Não é estrutura que se possa retirar de lá para exposição”, afirma Joaquim Sá.

As armadilhas de pesca identificadas em Silvalde em 1989 foram objecto de um estudo científico pelos arqueólogos Francisco Alves e Mário Almeida, e pelo geólogo João Alveirinho Dias, contando ainda com o apoio dos bolseiros Óscar Ferreira e Rui Taborda.

Segundo essa investigação, publicada na revista O Arqueólogo Português e editada pelo Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, o engenho “parecia uma embarcação enterrada”, media quatro por seis metros e apresentava várias fiadas paralelas de estacaria entrelaçada de vime e cravada em sedimento silto-argiloso, que sondagens subsequentes revelaram prolongar-se para além dos 2,5 metros de profundidade. A estrutura revelara também uma camada de turfa da qual afloravam raízes de árvores.

As datações por radiocarbono revelaram então que os engenhos datavam dos séculos II a I a.C., enquanto o estrato silto-argiloso remontava aos séculos IV a VIII a.C. e a turfa era muito mais tardia, de X a XI d.C..

“Estas datações caracterizavam um quadro evolutivo marcado pelo assoreamento progressivo de uma zona de ambiente protegido, do tipo lagunar, onde teria sido implantada a referida estrutura”, diz o estudo científico. “Essa área teria posteriormente sido colonizada por espécies herbáceas, mais tarde por espécies arbóreas e, já em plena Idade Média, coberta por um cordão dunar litoral”, explica o documento.

A zona ter-se-á depois transformado num “meio de tipo pantanal e sofrido um rápido ensecamento”, como demonstrado pela presença de árvores do século X a XI. Esta datação permitiu, por sua vez, atribuir à mesma época a invasão das areias, o que durante séculos foi comum em certas áreas do litoral português e só se inverteu “em tempos mais recentes”, quando “o campo dunar que cobriu a zona acabaria por ficar sujeito a uma intensa erosão costeira, em virtude da qual se originaram arribadas talhadas nas dunas – cujo recuo se foi acelerando ao longo do século XX”.