Fotografia
Nepal: este país não é para mulheres
A fotógrafa de Almada Berta BB Couto passou três meses no Nepal, onde se deparou com “um problema de género” que se encontra enraizado no seio de várias comunidades. O projecto que desenvolveu nesse contexto, intitulado To Be a Woman in a Man’s World, documenta várias figuras femininas cuja vivência é fortemente marcada pela cultura patriarcal vigente no país. “Estas mulheres são o reflexo de uma sociedade que ainda despreza os direitos da mulher”, descreveu ao P3, em declarações por escrito. “Elas são tratadas como elementos inferiores, não merecedoras de uma opção de vida além daquela a estão destinadas: cuidar da família e dos seus lares.” São, enquanto menores de idade, forçadas a abandonar o sistema de ensino, a casar e a constituir família.
B. vive numa encosta montanhosa na região de Chitwan, altamente marcada pelo turismo, e pertence a um dos grupos populacionais mais desprivilegiados do Nepal, os Chepang. São considerados, segundo Berta, “uma casta inferior”. B. foi retirada da escola aos 14 anos. Aos 15 foi mãe pela primeira vez e aos 17 pela segunda. “Hoje, aos 21 anos, a sua vida resume-se ao cuidado dos filhos — que se esforçam por sobreviver à escassez de alimento — e ao cuidado da família do marido, constituída por quatro elementos. O cuidado da casa, do campo de milho e do gado são também da sua responsabilidade.” Quando o tempo lhe permite, ajuda na construção da casa que irá, um dia, acolher a sua família. A jovem não conhece o conceito de entretenimento e “não tem nunca a oportunidade de tomar uma decisão sozinha”. Teve de pedir permissão ao marido para poder conversar com Berta.
Já D. é “intocável”, ou seja, pertence “à casta mais baixa e impura do sistema nepalês”, os Dalit. Trabalha na construção de habitações destinadas a membros de castas superiores. “Todos os dias sobe a mesma colina com pedras às costas”, descreve Berta. O regime é de escravatura, pura e simples. “O seu pagamento é o seu alimento.”
A pequena Sumitra sonha um dia tornar-se professora, mas sabe que tal jamais será realidade. “Nenhuma menina da minha aldeia pode ser professora”, explicou à fotógrafa portuguesa. O quotidiano desta criança passa por frequentar a escola, cozinhar e cuidar dos seus irmãos.
“Esta questão de desigualdade de género continua, infelizmente, a ser uma realidade em qualquer canto do mundo, embora assuma dimensões distintas e dependa da influência tradicional e cultural de cada contexto”, conclui Berta. A fotógrafa agrupou os retratos por considerar importante relembrar que existem mulheres que são “vítimas de violação a todos os níveis” e que “continuam a viver em silêncio”. Considera dar-lhes voz a sua missão.
Berta (@b.brave.the.wanderer no Instagram) já publicou no P3, em 2017, o projecto Fight for One’s Life.