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Bipolaridade: “O meu pai não era louco, estava doente”

©Gabi Pérez-Silver
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Enquanto crescia, em San Juan, Porto Rico, Gabi Pérez-Silver não associava o comportamento “ultrajante” do pai a nenhum tipo de doença mental. “Pensei que ele era apenas difícil e teimoso, como a sua mãe”, contou ao P3, em entrevista por email. “Só quando ele foi diagnosticado [com doença bipolar] é que entendi que o comportamento não era intencional e que, em grande parte, resultava de impulsos que ele próprio não podia controlar. Ou seja… Ele apercebia-se quando estava fora de controlo, mas não conseguia controlar-se.”

Gabi descreve a relação com o pai como “um comprimido difícil de engolir”. O seu comportamento errático, instável, “afastou toda a gente da sua vida”, motivo pelo qual, enquanto crescia, a fotógrafa se tornou “uma espécie de colete salva-vidas” para o pai. “Ele ligava-me obsessivamente enquanto eu estava em aulas”, refere. Frequentava, nessa altura, o ensino secundário. “Por vezes tinha mais de 20 chamadas não atendidas dele. Esgueirava-me até à casa de banho para ouvir as mensagens de voz que me deixava, que continham geralmente palavras de desespero e ameaças de suicídio.” Gabi sabia que não havia muito que pudesse fazer para ajudá-lo, mas pensava: “Se eu não o ajudar, ninguém o fará.” A pressão, disse, "era enorme". "Sobretudo naquela idade.”

As pessoas com perturbação bipolar “passam por drásticas alterações de humor”, pode ler-se na página da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. “Por vezes têm episódios maníacos, durante os quais se sentem muito felizes, mais enérgicas e activas do que o normal; outras vezes, passam por episódios depressivos, com sentimentos de profunda tristeza e quebra de energia.

Gabi assumiu o compromisso de acompanhar de perto o pai e de estudar a sua doença mental, ao mesmo tempo que registava o quotidiano com a câmara fotográfica. Não tardou até lhe descobrir um padrão de comportamento. “Sentia uma ira incontrolável contra tudo e contra todos, seguida de uma sensação de falhanço; a frustração era substituída por um sentimento de excitação excessiva até atingir um pico de empoderamento que acabava em depressão e isolamento profundo. Desaparecia durante dias, ninguém sabia onde estava. Este ciclo durava três semanas e repetia-se.”

A autora do projecto Our Mind; a Weapon assistiu a “uma degradação progressiva” do estado de saúde mental do progenitor, que acabou por perder contacto com todos os membros da família. “Tornou-se quase impossível para ele interagir com outros seres humanos sem ficar extremamente frustrado ou ansioso”, explica a porto-riquenha. “Ele falava frequentemente em colocar fim à vida. Sentia-se um refém do seu corpo e, sobretudo, da sua mente.”

Quando recebeu a notícia do seu internamento — relacionado com queimaduras severas —, Gabi questionou-se se as mesmas teriam sido auto-infligidas. “Mas mais tarde descobri que se deveram a um inesperado acidente. Enquanto transportava uma botija de gás propano no carro, o meu pai acendeu um cigarro; uma pequena fuga de gás provocou fogo dentro da cabine.” A fotógrafa sabia que o pai não resistiria. Não porque não fosse suficientemente forte para superar, “mas porque era a oportunidade perfeita para se libertar e obter a paz que procurava”. “Ele sabia que não iria conseguir obtê-la na Terra.”

“Aprendi a amá-lo com uma espécie de amor maternal. Passados muitos anos, compreendi que o meu pai não era louco, apenas estava doente; estava a sofrer muito e não magoava os outros intencionalmente", concluiu. "Encontrei forças dentro de mim para aceitar as suas imperfeições. Aprendi a dizer não sempre que necessário; percebi que não era responsável pela sua vida, nem pela de ninguém, apenas pela minha; passei a apreciar o tempo que passámos juntos durante ‘os dias bons’ e a dar-lhe espaço nos ‘dias maus’; aprendi a celebrar os seus sucessos, fossem pequenos ou grandes. Acima de tudo, nunca o deixei acreditar que não podia fazer algo que quisesse mesmo fazer, fosse o que fosse. Afinal, foi isso mesmo que os meus pais me ensinaram.”

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