Para lá chegar é preciso subir uma das colinas de Lisboa. Terra de miradouros, onde se escondem as mais belas vistas sobre a cidade, o bairro da Penha de França ainda não faz parte da rota dos turistas. Mas havia de ser a “vida mais de bairro” a convencer duas amigas brasileiras, Marina e Mariana, a instalarem ali o Valsa.
Apesar de ter nome de dança austríaca — e ignorando o convite na parede que convida a aceitarmos uma valsa — ali, até ver, não se dança a dança. “O nome tem alguma coisa de cultura e arte já colada nele”, há-de dizer Mariana Serafim, que é Nica, uma das fundadoras, algures durante a conversa. Mas os compassos ternários que marcam a dança são demasiado lentos para a festa que ali se quer.
Mas para entendermos o que se passa dentro do Valsa precisamos de recuar oito anos, a Santos, no litoral de São Paulo, no Brasil, quando este já existia, não como espaço, mas como um colectivo que organizava festas, espectáculos, concertos.
Depois, é saltar mais seis, quando Marina Oliveira chegou a Portugal, em 2016, à procura de melhor futuro na arquitectura e fazer um mestrado em Urbanismo Sustentável. “O mercado de trabalho não estava bom e sempre quis ter uma coisa minha, mais ligada à comida e bebida”, diz a jovem de 27 anos. Nica, de 29, chegou depois “meio sem querer, na verdade”. Largou o trabalho no Brasil, juntou um dinheiro e veio para a Europa “dar uma viajada”. Acabou por parar mais tempo em Lisboa para fazer um curso de escrita criativa.
Durante esses tempos, perceberam que o que Lisboa precisava era de um espaço como o Valsa, com uma programação que fica de fora das salas de espectáculos da cidade, e que quer dar voz a quem não tem, criando ao mesmo tempo um espaço de discussão e debate. “As pautas que mais procuramos evidenciar são o feminismo e dar visibilidade a quem não tem muito espaço”, diz Nica.
A partir daí foi “pôr a mão na massa”. “A gente gostou muito da Penha de França, tem uma vida mais de bairro”, diz Marina. Em dois meses, transformaram um antigo salão de cabeleireiro, no 270 da Rua da Penha de França, no espaço da sua associação.
Mantiveram-lhe o ar industrial, só disfarçado pelo verde das paredes e das plantas. Em Maio, estava pronto e aberto ao público. E, para já, tem corrido melhor do que o que esperavam, diz Nica. “Mas as pessoas, por enquanto, ainda têm que ter um motivo para vir para cá, para ver um filme ou um concerto.” Por ali vão aparecendo os amigos que levam mais amigos e os vizinhos mais jovens. Ainda falta convencer a vizinhança mais antiga, mais avessa a seguir os ritmos brasileiros que por ali costumam ecoar.
A programação vai sendo improvisada. Há, por exemplo, um clube de troca de poesia, ciclos de cinema — como um dedicado a realizadoras, brasileiras ou portuguesas, que não estão no circuito agora nem na programação das salas do cinema independente da capital —, actividades manuais que costumam ser expostas na mesa de pingue-pongue que está no meio do salão.
No domingo, dia 29, a partir das 17h, há um concerto a solo de ÉME e um DJ set de SAR, um dos fundadores da Cafetra. “É uma das coisas bem lisboetas que ali acontece, que são os concertos da editora”, diz Nica. Para o dia 6 de Agosto, por exemplo, está marcada uma masterclass de cinema feminino negro brasileiro. Há ainda uma pequena loja no interior que vende os discos, vinis e cassetes da Cafetra e da Lovers & Lollypops, enquanto que os livros chegam da vizinha Tigre de Papel.
Para suportar a associação cultural, montou-se um bar feito de produtos de empresas da capital. A cerveja artesanal é o produto da casa, mas, ainda que Marina e o namorado se aventurem na produção, são as cervejas (entre os 2,50 e os 4€) da Musa, Oitava Colina, Dois Corvos, Passarola, de Lisboa, que ali são vendidas. Depois do “rolê cervejeiro”, a fome mata-se com tábuas de queijo e enchidos (entre os 5 e os 8€), numa parceria com a Comida Independente, uma mercearia de pequenos produtores que abriu este ano na zona de Santos. O pão que as acompanha, de fermentação lenta, é da Micro Padaria, da Graça. Há ainda tostas que queijo chèvre e mel (3,50€) e de lombo do cachaço com rúcula e mostarda (4€). Já o café, “do jeitinho que fazemos em casa”, vem da Fábrica Coffee Roasters (1,30 a 3€).
Além de quererem continuar a ter uma programação tanto intensa quanto diversa, as duas amigas gostariam de, no futuro, ali montar um restaurante com comida quente. Quem sabe? No final das contas, serão sempre precisos dois para dançar a valsa.