Sob o signo do ansiolítico

O novo filme do autor de Amor e O Laço Branco é uma angustiante câmara lenta dos nossos dias mas que nada traz de novo ao seu cinema.

Michael Haneke, Isabelle Huppert, Monika Willi, Jean-Louis Trintignant, Final Feliz, O Professor De Piano, França
Fotogaleria
Michael Haneke poderia bem descrever o seu cinema, com a fina e devastadora ironia que lhe conhecemos, como feel-bad movies
Michael Haneke, Fim Feliz, Festival De Cinema Internacional De Toronto, França, Alemanha, Filme, 2017
Fotogaleria
Final Feliz, Avatar, Filme
Fotogaleria
Violino baixo, Viola, Contrabaixo, Happy End, Hille Perl, Violone, Violino, Violoncelo, Música clássica, Viol
Fotogaleria
Michael Haneke, Happy End, Festival de Cannes, Diretor de cinema
Fotogaleria

Os blockbusters americanos gostam muito de se apresentar como feel-good movies, ou seja, filmes que deixam o espectador bem disposto e animado – Michael Haneke poderia bem descrever o seu cinema, com a fina e devastadora ironia que lhe conhecemos, como feel-bad movies, visto que o olhar impiedoso e cirúrgico com que desmonta os reversos da sociedade contemporânea tem o resultado de deixar o espectador a questionar a sanidade mental do mundo que o rodeia. Happy End é o sucessor do devastador Amor (2012), com o qual aliás invoca um grau de parentesco mais ou menos solto através da presença de Jean-Louis Trintignant e de Isabelle Huppert. E, como seria de esperar do título, de feliz não tem nada: assistimos à dissolução em câmara lenta de uma família abastada de Calais, pelo meio de crises pessoais e profissionais contra as quais parece não haver defesa possível.

Trintignant é o patriarca viúvo que, à beira do seu aniversário, parece apenas desejar a libertação deste “casulo mortal”; Huppert, a filha que assumiu o controlo da empresa familiar, tem que lidar ao mesmo tempo com um acidente industrial e as inconstâncias de um filho que se sente enjeitado; Mathieu Kassovitz, o filho cirurgião, vê-se na obrigação de acolher a filha que nunca conheceu realmente depois da ex-mulher se tentar suicidar. Ao seu redor, tudo é problemático – sindicatos em greve, inspectores do trabalho, condutores com pressa, cães agressivos, migrantes ilegais, conversas em segredo, um constante acumular de grandes irritações e pequenas tragédias que só os ansiolíticos conseguem controlar. E tudo isto sob o olhar de Eve, a menina que cai de repente no meio dos Laurent e vê logo aquilo que eles acham que ninguém compreende, mediado através da câmara do telemóvel.

Pela multiplicidade de pequenas histórias que se cruzam e pelo modo como o “tema” central apenas vai emergindo aos poucos, Happy End remete para um filme como Código Desconhecido (2000), do qual poderia aliás ser uma versão sob o efeito de Xanax. E se não se coloca em nenhum momento em causa o talento de Haneke para criar o absoluto desconforto no espectador e ir directo ao assunto com o mínimo de elementos, fica também a sensação de que, depois de dois filmes mais “radicais” como Amor e O Laço Branco (2009), Happy End é filme mais resguardado, mais confortável (se é que tal é possível com o austríaco…), com algumas pontas pior rematadas do que é normal. Não se descobrirão aqui surpresas, apenas um autor a trabalhar ao seu bom nível habitual, revelando pelo meio de um elenco impecável uma jovem actriz a reter (a miúda Fantine Harduin) e capaz de arrancar momentos fulgurantes de cinema (como a conversa na praia entre pai e filha).

i-video
Sugerir correcção
Ler 1 comentários