A arte de Vhils, Chafes e Croft também jorra nestas barragens
É um roteiro de arte que a EDP começou há 12 anos para criar "um movimento cultural contemporâneo" nas suas centrais hidroeléctricas. Agora, há mais três paragens no roteiro: Foz Tua, Baixo Sabor e Caniçada ganharam obras de Rui Chafes, José Pedro Croft e Vhils, respectivamente.
Uma escultura empoleirada sobre o abismo na encosta mais próxima da barragem de Foz Tua, uma ponte que não se atravessa entre as duas margens do rio Sabor, um retrato que homenageia quem resiste a ficar no interior. É arte encravada entre arribas e muralhas de betão, em lugares com vistas desafogadas, com o olhar e o engenho de Rui Chafes, José Pedro Croft e Alexandre Farto, conhecido por Vhils no mundo das artes. Os três, respectivamente, trataram de “dar um novo rosto” às barragens Foz Tua, Baixo Sabor e Caniçada, estruturas já de si imponentes, não só pela escala, como também pela importância histórica e estratégica que têm no Douro e no Cávado.
A ideia de pôr mais do que água a jorrar nas barragens não é nova. Começou em 2006, quando a EDP criou um Roteiro de Arte nas Barragens, com o intuito de aproximar as artes das suas centrais hidroeléctricas. E “criar um movimento cultural contemporâneo, dotando as regiões de um conjunto de intervenções de artistas conceituados, o que naturalmente contribui para o desenvolvimento local”, diz Rui Teixeira, administrador da EDP, numa resposta por escrito ao PÚBLICO.
O roteiro ganhou agora novas paragens. A maioria das barragens intervencionadas está no Douro e em Trás-os-Montes. No Picote, Miranda do Douro, já há a arte de Pedro Calapez. Pedro Cabrita Reis pintou a barragem da Bemposta, em Mogadouro, de amarelo e a intervenção não ficou livre de polémicas. Quando ficou pronta, no final de 2011, não caiu bem a alguns da terra que consideraram a ousadia "demasiado berrante".
A Quercus também considerou que a obra "causava um impacto na paisagem" e o partido ecologista Os Verdes questionou mesmo, em Dezembro de 2011, o Ministério da Agricultura sobre a primeira barragem amarela do país. O partido alertava para a descaracterização do Douro Internacional, paisagem classificada pela UNESCO, mas do outro lado rebatiam-se as críticas com a criação de “um movimento cultural contemporâneo”, fazendo das barragens um “conjunto relevante de intervenções de artistas plásticos conceituados".
As intervenções chegaram também à barragem de Frades, por Graça Morais, ao Alto Lindoso, por José Rodrigues e ao Alqueva, por João Louro. Na Foz Tua e no Baixo Sabor, também os arquitectos Eduardo Souto de Moura e Álvaro Siza, respectivamente, já ali tinham deixado obra. E foram mesmo as “sugestões sábias” de Souto de Moura que ajudaram Rui Chafes a encontrar “a localização exacta e adequada” para a instalação da sua peça. É como uma "lâmina na paisagem", diz o autor, e tem forma de refúgio ou abrigo. A barragem de Foz Tua, o mais recente aproveitamento hidroeléctrico construído pela EDP, quer-se agora como um retiro do mundo, descreve o artista.
Rui Chafes chamou-lhe Despedida. É negra e em aço, com dez metros de comprimento. É um espaço de penumbra e silêncio, um lugar de recolhimento, como um mosteiro ou santuário apoiado nas falésias mais inacessíveis. Lá dentro, só por uma estreita fenda se vê a paisagem bucólica da serra e do Tua.
A “paisagem avassaladora”, a integração numa “obra de engenharia grandiosa”, a falta de elementos — casas e árvores — que lhe dêem escala humana foram os principais desafios que se impuseram à obra de José Pedro Croft na barragem do Baixo Sabor, em Torre de Moncorvo.
É uma peça que quer fazer a ponte entre as duas margens do rio Sabor. Para isso, foi instalado um contentor industrial na margem sul do rio com 12 metros de comprimento e dois metros e meio de altura, com uns binóculos, que permitem ver 30 vezes mais além. Na outra margem, cinco espelhos de escala monumental reflectem porções da envolvente. São espelhos durante o dia e ecrãs de luz durante a noite. Não deixa, tal como a barragem, de ser também uma "complexa obra de engenharia".
Na Caniçada, Vhils pintou o futuro e o passado. Num gigante mural, quis “humanizar” o muro de contenção, que rasga a paisagem, homenageando a população local e a sua resistência face à desertificação dos territórios. Do betão, quer fazer a ligação entre o ser humano, o património natural e o que é construído pela mão humana. É, também por isso, “uma homenagem à capacidade empreendedora e construtiva do ser humano”. É uma oportunidade para se falar de sustentabilidade, do presente e do futuro, sem se esquecer a herança do passado.
Desde o seu início, o Roteiro de Arte nas Barragens conta com intervenções de dez artistas e arquitectos portugueses em oito barragens nacionais.
Artigo actualizado às 14h00: A barragem da Caniçada está localizada na bacia hidrográfica do rio Cávado e não no Douro como anteriormente se lia.