Eles estão a dar a volta ao mundo em helicóptero

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Rui Gaudêncio

Quando existem grandes objectivos de vida, há a possibilidade de concretizá-los. Sem sonhos é que não há o que alcançar. A mensagem é simples. A aventura a que Ruben Dias e Mischa Gelb se propuseram para levá-la ao mundo é que nem tanto. O português e o canadiano estão a rodar o globo em helicóptero: seis mãos de países, mais de 300 horas de voo, 45 mil quilómetros e um recorde mundial por superar. Querem fazer a travessia entre antípodas mais rápida de sempre em helicóptero – e bater por 18 dias a única equipa que alguma vez o fez. Pelo caminho, organizam palestras gratuitas para levar a mensagem a outros através das histórias de viagem e dos percursos profissionais, desde cedo ligados ao empreendedorismo.

“Temos dois objectivos principais: um em termos de aviação, que é tentar quebrar o recorde; o outro é dar um propósito à viagem, promovendo o empreendedorismo e um estilo de vida saudável”, enumera Ruben Dias. O português, hoje com 47 anos, fundou a primeira empresa aos 21 e tem feito carreira na criação de start ups tecnológicas. Mischa, de 32 anos, comprou o primeiro helicóptero quando tinha 18 anos e é hoje dono da escola de aviação que adquiriu aos 23. Foi lá que os dois se conheceram, quando Ruben decidiu tirar o curso de piloto de helicóptero (já pilotava avionetas desde 1998). E foi lá que nasceu esta aventura, a que chamaram Epic World Tour. “Estávamos a treinar e eu contei-lhe que tinha o sonho antigo de dar a volta ao mundo. Ele olhou para mim e disse: ‘Eu também. Vamos a isso!’”, recorda Ruben. “Naquele momento, foi tudo muito naïve e espontâneo, mas sabíamos que estávamos a falar a sério e começámos a planear.”

A dupla vai-nos contando tudo isto ao almoço, entre tostas de abacate e garfadas de salada, no restaurante vegan que Ruben abriu em Fevereiro na Praça da Figueira. A passagem por Lisboa é curta e não há tempo a perder. Tem sido sempre assim desde que iniciaram o périplo, a 1 de Maio, quando saíram de Whistler, cidade canadiana onde ambos residem e onde esperam fechar a circum-navegação no dia 13 de Julho.

À excepção dos sábados, dia de descanso semanal, posam o helicóptero apenas para abastecer, dar palestras e dormir. A média, dizem-nos, é de seis horas de voo por dia – um eufemismo matemático que esconde jornadas de 16 horas, como aquela que tiveram na Gronelândia. “Tem havido alguns dias longos, algumas excepções”, ri-se Ruben.

Quando aterraram em Lisboa, a viagem ia sensivelmente a meio. Já tinham sobrevoado parte do Canadá, dos Estados Unidos, do México, Guatemala, El Salvador, Costa Rica, Panamá, Colômbia e várias ilhas das Caraíbas. Até subirem de novo pelo norte do continente americano rumo à Gronelândia. E da ilha gelada começaram a descer a Europa: Islândia, Ilhas Faroé, Reino Unido, França, Espanha e, por fim, Portugal. “Experiencias tanta coisa, é tão intenso e diferente todos os dias que, para nós, passaram 40 dias mas parece um ano”, conta Ruben. “Foi algo que aprendemos com esta viagem: a percepção do tempo muda completamente.”

De tudo o que viram para lá das vidraças do helicóptero até agora, Ruben e Mischa são unânimes nas preferências: Colômbia e Gronelândia. O país da América do Sul pela “surpresa” de “voar entre a neblina” e ver, lá em baixo, uma “selva virgem”, compacta e isolada, entre as montanhas. A ilha do Árctico porque condensa o cenário mais impressionante e a experiência mais difícil até ao momento. “A Gronelândia é tão remota e majestosa, com os fiordes a imergir no oceano e umas falésias enormes. Nunca pensei que a paisagem junto à costa fosse tão incrível”, descreve o canadiano. Ruben completa com o outro lado da moeda: “Foi muito intenso para nós, porque era suposto termos ficado duas noites e atravessar a ilha, mas acabámos por ficar quatro noites e contornar aquilo tudo, por causa do tempo”. Todos os parâmetros meteorológicos eram maus: o vento forte, as temperaturas baixas, a fraca visibilidade, a neve. “Nunca nos vamos esquecer”, solta Ruben. “Sabendo que acabou bem, voltava a passar por tudo, mas não quero lá voltar.”

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É por isso que, quando apontamos ao final da viagem, ficam apreensivos. Não querem falar da meta, pensam apenas nas próximas etapas. “Nunca sabemos o que vai acontecer. Podemos ter um problema mecânico, enfrentar mau tempo. Existem muitas coisas que podem parar esta viagem”, reconhece o empresário português. No horizonte, estavam ainda muitos países: do sul da Europa à península arábica e, dali, Paquistão, Índia e parte do sudeste asiático, até subirem pelo Japão, Rússia, Alasca e Canadá. Além dos desafios inerentes ao caminho, levaram dois anos a planear a viagem. Se dar a volta ao mundo é proeza de poucos, fazê-lo de helicóptero é “extremamente difícil”, garantem. Ao ponto de apenas 17 helicópteros o terem feito ao longo da História.

“A parte mais difícil da viagem acontece mesmo antes de ela começar”, avança Mischa. Delinear itinerários, pedir autorizações e vistos, conhecer as leis ligadas à aviação de cada país, saber onde poder aterrar, colocar combustível ou fazer a manutenção do helicóptero, e sincronizar tudo com palestras, estadias e previsões meteorológicas. E, claro, ter capacidade financeira para o fazer. É que uma viagem destas, admitem, “custa muito dinheiro”. A maior fatia do orçamento vai para seguros, combustível e taxas aeroportuárias. “Aterrar só para abastecer, por exemplo, pode custar mil dólares [862€] num país e sete dólares [6€] noutro”, aponta Mischa. Ruben aceita revelar apenas o valor que prevêem gastar em combustível: “cerca de 30 mil dólares [26 mil euros]”.

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Tudo sai do próprio bolso. “Cheguei a um ponto da minha vida em que posso fazê-lo”, admite Ruben. “Isto também foi planeado como um grande objectivo a longo prazo. Há coisas na vida que levam tempo e este projecto é uma delas.” Aos 18 anos, Diogo Dias, o filho mais velho de Ruben, fará grande parte do percurso no banco de trás do helicóptero – falha apenas o trajecto entre a Índia e o Alasca por falta de vistos. É ele que alimenta o vlog diário do projecto e traz descontracção à equipa. “É muito divertido tê-lo connosco”, ri-se o pai.

Com uma paixão longa e assumida pela aviação, Ruben e Mischa são lestos a elencar as vantagens de viajar de helicóptero. “Voa-se mais perto do chão, por isso vê-se tudo com mais detalhe”, lança Ruben. “E é possível aterrar quase em qualquer lugar [não é preciso uma pista de aterragem], por isso é muito mais espontâneo”, completa Mischa. Enquanto falamos, o Robinson R66 em que viajam está estacionado em casa de Ruben. “Os helicópteros são simplesmente especiais. Dão outra noção de liberdade.”

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