Uruguai: mais geometria e menos “guerrilha”

Desde o longínquo ano de 2006, quando Óscar Tabárez assumiu pela segunda vez os destinos da selecção do Uruguai, que o paradigma do futebol “celeste” tem vindo a mudar. Mais do que uma equipa que foi inicialmente estruturada para um 4x3x3 e que hoje se expressa essencialmente em 4x4x2, o upgrade que foi acelerado nos últimos tempos diz respeito à qualidade dos pensadores de um jogo que é cada vez mais elaborado. Em vez de um meio-campo de pulmões cheios e combatentes irreprimíveis, hoje os uruguaios podem contar com um futebol mais refinado, esclarecido e difícil de contrariar.

É relativamente fácil de atestar esta ideia quando comparamos, por exemplo, Arévalo Rios ou Diego Pérez (referências no meio-campo defensivo em torneios passados) com Matías Vecino e Rodrigo Bentancur. É certo que a dupla que actualmente se dispõe à frente dos centrais não tem os motores a trabalharem a tão altas rotações, mas em boa verdade não precisa, porque compensa essa movimentação mais frenética com posicionamentos mais rigorosos. Acaba, porém, por ser na saída de bola que as diferenças se acentuam.

Hoje, Vecino (Inter Milão) e Bentancur (Juventus) são os verdadeiros geómetras da ideia de jogo uruguaia, um ponto de passagem obrigatório na primeira fase de construção e uma garantia de um futebol mais vertical, a solicitar os avançados (Suárez e Cavani) ou os extremos no espaço entre linhas. A possibilidade de sair a jogar, com idêntica qualidade, por qualquer um dos dois assegura a Tabárez formas distintas de percorrer os mesmos caminhos.

Quer isto dizer que o Uruguai deixou cair o futebol mais directo e o bloco médio/baixo que o têm caracterizado? Não necessariamente. Uma coisa é a construção pelo corredor central, mais cerebral e apoiada, outra é a exploração dos corredores laterais. Nas faixas, Cáceres (seja à esquerda ou à direita) é conservador e só arrisca uma projecção pela certa, enquanto Varela (direita) ou Laxalt (esquerda) forçam mais os desequilíbrios ofensivos — especialmente o canhoto do Génova. Mas o jogo associativo baixa muito de nível quando passa a depender dos laterais, que, ao invés, são bastante competentes quando se trata de defender.

A organização defensiva continua a ser, provavelmente, o momento mais forte do Uruguai, com dois centrais de topo (Giménez e Godín), que têm a vantagem de jogarem juntos igualmente no Atlético Madrid. Ao capitão de equipa também é devido o mérito de, muitas vezes, assumir a condução e rasgar linhas em posse, para além da imponência que lhe é reconhecida no jogo aéreo. Nesse parâmetro, e em especial nas bolas paradas ofensivas, os uruguaios não recebem lições de ninguém, com os centrais e os dois avançados a surgirem como finalizadores natos nos livres indirectos e cantos.

Apesar da mutação em curso de parte do ADN uruguaio, ainda há uma tendência muitas vezes ilógica de bater na frente e esticar o jogo, mesmo quando há possibilidades de sair a jogar em apoio. Uma abordagem disfarçada, a espaços, pela mobilidade e sentido posicional de Cavani e Suárez, e cujos riscos são minimizados pelo sentido colectivo dos extremos — Nández e De Arrascaeta são “ferozes” no momento da perda da bola e recuperam muito depressa nas transições defensivas.

Tacticamente rigorosos, os uruguaios concedem pouco espaço entre linhas (nomeadamente as defensiva e média, já que os avançados pressionam alto a saída de bola do rival) e são hábeis a fazer campo grande a atacar, com os dois goleadores a dispararem em velocidade para depois tabelarem com o médio ou o extremo que surge pelo meio a encarar o jogo de frente. Para prevenir dissabores, o melhor mesmo é evitar que Cavani e Suárez sejam devidamente alimentados. E isso passa por impedir que a bola saia redonda dos pés dos criadores de serviço.

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