Dear Mário Centeno
Um remendo do eixo franco-alemão já não chega para pôr a Europa a dar mais um pequeno passo. Voltamos à estaca zero?
Ainda o presidente do Eurogrupo brindava à saída da Grécia do terceiro resgate e já recebia uma carta com aviso de recepção. O remetente foi Wopke Hoekstra, o ministro que substituiu outro impronunciável à frente das Finanças holandesas.
O Financial Times recebeu também a carta e percebeu que o destinatário não é Centeno, mestre-de-cerimónias, mas Macron e Merkel. Também verificou que não é uma carta de um só, mas a posição de 12 países do euro, opondo-se à criação de um novo orçamento europeu para ajudar países sujeitos a choques assimétricos – leia-se, de que não teve “culpa”. É, assim, um bloqueio anunciado à “nova fase do euro” anunciada agora pela chanceler.
Lendo isto, sei qual é o nosso instinto. Mas também sei que não podemos fazer a discussão europeia a olhar só para o umbigo. Como tem acontecido na discussão sobre os novos fundos europeus, ignorando que desde 1986 recebemos milhares de milhões de fundos que deveriam ter fomentado a convergência de Portugal com a média europeia.
Chegará o dia em que teremos que nos perguntar como é que, com tanto dinheiro a entrar vindo de outros países, essa convergência não aconteceu. Mas já chegou o dia – porque a discussão está aberta – de olhar para o tipo de apoios que nos chegam da Europa: o pacote dos fundos (que nunca chegam para o que queremos); o plano Juncker (que é um subsídio a negócios privados a fundo perdido) e, daqui a uns anos, talvez um fundo para ajudar países em crise. Faz sentido continuar a acrescentar, sem mudar nada mais?
Perguntar isto não é assumir a tese, assinada na carta dos 12 países do euro a Centeno, de que um novo fundo europeu poderá expor os seus próprios eleitores a problemas que atinjam outros Estados-membros. É, apenas, obrigar-nos a fazer outras perguntas: que contribuinte português gostaria, agora, de dar uma ajuda ao novo Governo de Itália que recusa dar abrigo a 600 pessoas desesperadas? Ou ao da Hungria, que penaliza um cidadão seu que ajude um refugiado?
Agora que acabaram os resgates, não podemos olhar para esta carta pensando simplesmente que é mais uma guerra entre os países ricos e os que precisaram de ajuda – basta ver que, entre os 12 que a subscrevem, estão os governos de Malta e da Irlanda. Desta vez é bem mais complexo do que isso: é um desafio a uma chanceler já desafiada por dentro e sem a força de antes; é o assumir de um renovado cepticismo face à Europa, num grupo de países que inclui alguns dos antigos aliados da sra. Merkel. É a prova de que um remendo do eixo franco-alemão já não chega para pôr a Europa a dar mais um pequeno passo. Voltamos à estaca zero?