A insustentável leveza da aposta no Interior
É preciso perceber que a aposta no Interior não se faz por decreto. O papel das políticas públicas é central na orientação estratégica das opções que devem ser feitas.
Muito se tem falado nos últimos tempos da importância de reforçar os investimentos no interior. Para além do relatório com muito mérito produzido pelo Grupo liderado por Miguel Cadilhe, a discussão dos pacotes de descentralização e as vozes autónomas de fóruns da sociedade civil são consensuais na necessidade de encontrar soluções para a crescente desertificação e empobrecimento do interior. Mas continua a faltar uma estratégia clara que passa pela clarificação das áreas de especialização no território.
As políticas públicas de aposta no desenvolvimento estratégico do território, muito associadas à dinâmica dos fundos comunitários e ao trabalho em rede protagonizado pelas áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais, em articulação com universidades e associações empresariais, têm sido importantes para reforçar os níveis de inteligência coletiva das diferentes áreas regionais e acompanhar as tendências estratégicas produzidas e disseminadas por entidades de referência como a Comissão Europeia e a OCDE.
Quando se analisam, contudo, as apostas estratégicas em termos de especialização económica assumidas pelas diferentes áreas do território vem ao de cima a falta de coordenação e articulação, absolutamente centrais para poder assumir opções claras em termos de captação de investimento e fixação de capital social. De Trás-os-Montes ao Alentejo, passando pela zona da Serra da Estrela, existe na maioria dos casos uma redundância em termos dos clusters em que se quer apostar – saúde, tecnologias de informação e comunicação, aeronáutica, quando na verdade a dimensão do país e em particular do interior não o permite.
Apesar da maioria das aldeias do interior estarem cada vez mais desertas e de se ter intensificado nos últimos anos o empobrecimento económico e a descapitalização social daquela área do território, são alguns já os casos de sucesso de criação de “áreas de inovação e competitividade” com sucesso em algumas zonas do interior – a dinâmica de Bragança, com o Instituto Politécnico e a Faurecia, a aposta na a´rea da enologia em Vila Real, o caso exemplar da região de Viseu, o papel do Parkurbis na Covilhã e os investimentos tecnológicos no Fundão, as apostas na aeronáutica com a Embraer em Évora e o trabalho desenvolvido em Ponte de Sor. Exemplos de clara articulação colaborativa em rede entre os principais atores locais, em particular entre as universidades e associações empresariais.
Mas importa reforçar esta aposta estratégica e o papel dos Clusters e dos Parques de Ciência e Tecnologia pode ser determinante neste domínio. Nunca como agora foi fundamental que se definisse uma coordenação clara entre poderes públicos e entidades privadas em sede da especialização assumida para cada território e a partir daí sinalizar um programa claro de criação de condições de contexto positivo para a captação de investimento e a fixação de talentos no interior, O caso francês, com os Pólos de Competitividade e de Itália com os Distritos Industrias é absolutamente exemplar nesta área.
É preciso perceber que a aposta no Interior não se faz por decreto. O papel das políticas públicas é central na orientação estratégica das opções que devem ser feitas e terá que haver por parte dos diferentes atores do território – municípios, universidades e institutos politécnicos, associações empresariais, centros de inovação, entre outros – uma definição clara das áreas de especialização estratégica para as quais devem ser sinalizados os esforços colaborativos de captação de investimento e fixação de recursos humanos e talentos. Se esta não for a estratégia, continuaremos a assistir a uma competição desenfreada e sem qualquer racionalidade ao longo do território pela mesma especialização estratégica. A insustentável leveza da aposta no interior é um desafio que apela a um imperativo de modernidade e inteligência coletiva daqui para a frente.