Abres o Facebook, por pura distracção, só para descansar, cinco minutos apenas, não mais, e deslizar o dedo, ver as fofocas de quem ainda insiste em partilhar uma vida que se quer privada, resguardada, rir um pouco e adormecer o teu filho nos braços enquanto dás o biberão.
Abres o Facebook e a Daniela salta do telemóvel com os gémeos, um de cada lado, e a seguinte frase por baixo “Ser mãe é amamentar”, seguida de 32 likes, 12 corações e meia dúzia de emojis fofinhos.
De lágrimas nos olhos, desligas o telefone enquanto o biberão se esvazia avidamente. Uma palmadita nas costas e o miúdo já dorme. Tu é que não.
O leite secou-te às duas semanas. “Acontece”, disse o médico. “Não se apoquente”, acrescentou, enquanto desenrolava compêndios de substitutos de leite materno pelo consultório fora, dos mais naturais aos achocolatados, mas nada, nada podia substituir o que agora se perdera e não mais voltará: este toque, esta vida dentro de ti, a jorrar dentro de ti enquanto se abraça um filho, enquanto se vê um filho e um filho te vê, chamando por ti no olhar risonho e feliz e sabendo-te, mãe, reconhecendo-te, mãe, amando-te, mãe, ao mesmo tempo que tu, mãe, amas um filho.
Tudo isso acabou. Não contaste a ninguém, mas no café houve logo quem desse por isso, “Ó filha, tão pequenino e já de biberão?”, e tu nada, a fazer de conta, metam-se na vossa vida, é um café por favor, quanto é?, e vamos embora daqui que isto já fede.
E depois há a Daniela, a dos gémeos no Facebook, até porque o mais velho já vai com cinco anos e ainda mama, e ela toda orgulhosa, fotografia após fotografia, like após like,como se as mulheres nunca tivessem amamentado, como se o leite fosse obra e graça do espírito santo, não é, sempre existiu, e tu não és menos mãe se não amamentares. Ou assim te quero fazer entender.
Mas não é fácil. Os famosos leites de substituição até a ti dão cólicas, e por aqui dá para perceber o que vai no bebé enquanto chora pela noite fora até à fralda final. E o que por aí vai, noite após noite. Já contas com dois meses sem dormir, o pai também, os dois ao mesmo tempo e esqueçam lá tirar à vez que o apartamento é pequeno e só se dorme quando o bebé dorme. Pouco.
Não são menos pais e tu não és menos mãe. São mais, muito mais, não têm facilidades, não têm leite nem foram abençoados, não puseram a tua barriga no Facebook nem têm nada de pôr, não querem saber dos likes, querem saber de ti, meu pequeno. Querem o teu bem muito para além da parvalheira da fama e das mentalidades tão pobres e pequenas, e portanto ultrapassam obstáculos, vivem e sofrem e choram os três em conjunto, de tristeza e alegria, como uma família, mesmo sabendo não ser possível amamentar.
E por não poder amamentar, tornam-se mais fortes, mais pacientes, o mundo não acabou, mesmo se a Daniela te olha de lado do lado de lá do telefone e dos gémeos enquanto esterilizas o biberão e a chupeta. Que se dane a Daniela, esquece a Daniela, desliga o Facebook e deita o telemóvel fora.