O que nos faz envelhecer? Stress, violência, pobreza e discriminação
O modo como envelhecemos, com mais ou menos cabelos brancos, rugas e doenças está relacionado com o comprimento das pontas protectoras dos nossos cromossomas: os telómeros. Surpreendentemente, a forma como lidamos com o stress e o ambiente social em que vivemos influenciam o tamanho dos nossos telómeros e, com eles, o número de anos de vida saudável que poderemos esperar.
O envelhecimento já não é o que era. Se antes pensávamos que seria incontrolável, podendo apenas tentar-se alguma batota estética com cirurgias e cremes anti-rugas, a ciência tem vindo a mostrar que o envelhecimento é, pelo menos em parte, um processo possível de ser controlado. No livro A Ciência da Juventude (Elsinore, 2017) a bióloga Elizabeth Blackburn e a psicóloga Elissa Epel contam a história de duas mulheres imaginárias que tomam café numa tarde fria em São Francisco. Kara e Lisa têm a mesma idade, mas Kara parece muito mais velha. E sente-se muito mais velha. E provavelmente terá menos anos de vida saudável, mesmo que ambas vivam o mesmo tempo. O envelhecimento cronológico (o número de anos que passaram desde que nascemos) é diferente do envelhecimento biológico (o estado de envelhecimento que efectivamente as nossas células têm). Todos conhecemos Kara e Lisa com outros nomes. E quando pedimos a alguém que acabámos de conhecer para adivinhar a nossa idade estamos a tentar confirmar as nossas suspeitas de sermos Kara ou Lisa.
Há muitas pessoas que aos 50 anos gozam de uma excelente saúde. Mas há outras que nessa idade começam a sofrer com as doenças da velhice: problemas cardiovasculares e pulmonares, artrite, sistema imunitário enfraquecido, diabetes ou cancro. Têm tendência a surgir juntas e para muitos determinam o fim precoce da vida. Para outros a vida continua, limitada pela doença e pelo desconforto. O número de anos de vida saudável que temos é o nosso “intervalo de saúde”. Uma pessoa que viva até aos 100 poderá ter 50 ou 70 anos livre das doenças do envelhecimento (a diferença é grande). O restante é o “intervalo de doença”. O que a maioria de nós quer é ter muitos anos de vida saudável e não apenas prolongar a vida num estado de decrepitude.
A investigação científica tem vindo a demonstrar que o envelhecimento é um processo regulado pelos nossos genes. As raríssimas pessoas que vivem mais de 115 anos são oriundas de famílias com longevidades acima da média para a respectiva época. Por isso há quem estude os supercentenários para tentar perceber quais são as diferenças da sua herança genética (é o caso da empresa norte-americana Androcyte). Outros, como o investigador português João Pedro de Magalhães, professor da Universidade de Liverpool, tentam perceber quais são os truques das espécies que vivem muito, como o rato-toupeira-nu (30 anos, extraordinário se pensarmos que um rato doméstico vive apenas dois). A esperança é que no futuro seja possível criar medicamentos que imitem os efeitos dos genes que permitem viver mais tempo. Ou mesmo – e isto é muito mais arrojado – usar técnicas de edição genética (uma espécie de corta e cola com ADN) para modificar os nossos genes e prolongar a juventude.
Mas os processos de envelhecimento não são um destino traçado no momento em que cada um de nós foi concebido. Como Elizabeth Blackburn e Elissa Epel escrevem no seu livro: “Nascemos com um conjunto definido de genes, mas o modo como vivemos pode influenciar a forma como esses genes se expressam.” A nova ideia do envelhecimento é esta: em vez de apenas tratar cada uma das doenças relacionadas com envelhecimento, tentar travar o envelhecimento biológico. Esta ideia abre novas áreas de investigação médica e de negócios na saúde. Como escreveu João Pedro de Magalhães num artigo de 2017: “As doenças relacionadas com a idade são as principais causas de morte e de custos de assistência médica. Reduzir a taxa de envelhecimento teria enormes benefícios médicos e financeiros.” Há várias abordagens anti-envelhecimento. Aqui vamos focar-nos numa que já deu um Prémio Nobel.
As pontas dos atacadores
Todos já fomos uma única célula. Essa dividiu-se em duas, que deram origem a quatro e depois a oito, até cada um de nós ser constituído por biliões de células. Todos os dias há muitas que morrem e são substituídas por outras, que se formam sempre da mesma maneira: uma célula divide-se em duas. É simples de dizer, mas na realidade é um processo bastante complicado. Cada célula tem um núcleo e lá dentro está o nosso material genético: 46 cromossomas. Cada cromossoma é uma longa serpentina de ADN, muito enrolada e compactada. É no ADN que estão escritos os nossos genes, que são as instruções para construir proteínas (como a hemoglobina, por exemplo, que transporta o oxigénio através do sangue até às nossas células). A linguagem dos genes tem apenas quatro letras (A, T, G e C), correspondentes às quatro bases que se repetem no ADN (adenina, timina, guanina e citosina). Por exemplo TTC significa fenilalanina, um aminoácido de que se calhar já ouviu falar. À correspondência entre uma sequência de três bases de ADN e um aminoácido chama-se código genético. Esse código é o mesmo para todos os seres vivos.
Os genes são sequências de ADN que são os planos de construção das proteínas. Uma proteína com 300 aminoácidos está codificada em 900 bases de ADN. O genoma humano, ou seja toda a sequência de ADN em todos os cromossomas, são cerca de três mil milhões de pares de bases, que codificam 20.000 genes. Mas nem todo o ADN tem genes. Esta história é sobre uma parte do ADN de cada um dos nossos cromossomas que não tem qualquer gene, mas que pode determinar o ritmo a que nós envelhecemos: os telómeros.
Os telómeros estão nas pontas dos cromossomas e funcionam como as cabeças dos atacadores: impedem os fios de se desfiarem. São sequências repetitivas de ADN, que têm como função proteger os genes durante a divisão das células. Cada vez que as nossas células se dividem, os telómeros perdem uns quantos pares de bases. Nos cromossomas de um bebé recém-nascido os telómeros têm 10.000 pares de bases. Aos 35 anos já só têm 7500. E aos 65 restam 4800. Enquanto o comprimento dos telómeros é sacrificado, os preciosos genes nas zonas interiores dos cromossomas ficam a salvo.
Com os telómeros curtos chegam os sinais da idade. Morrem algumas células da pele e dos pigmentos do cabelo, por isso aparecem-nos rugas e cabelos brancos. A morte de células do sistema imunitário torna-nos mais susceptíveis a doenças. Um menor comprimento de telómeros é um factor de risco para as doenças relacionadas com o envelhecimento. As pessoas com os telómeros mais curtos têm mais altas taxas de mortalidade decorrentes do cancro, doenças cardíacas e de todas as causas juntas. O comprimento mínimo dos telómeros atinge-se por volta dos 75 anos. Depois, há uma reviravolta final surpreendente: nas pessoas com mais de 75 anos o tamanho dos telómeros parece manter-se ou até aumentar. Mas esse alongamento provavelmente é apenas aparente: nesta idade as pessoas com telómeros mais curtos já morreram. São as pessoas com telómeros mais longos que chegam aos 80 ou aos 90 anos. Mas esta ainda não é a história toda.
O elixir da imortalidade?
Em 1975, Elizabeth Blackburn trabalhava num laboratório da Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Usava grandes boiões de vidro para cultivar uma minúscula criatura que vive em lagos de água doce: a Teatrahymena. Não se consegue ver a olho nu, mas o núcleo da sua única célula tem 20 mil pequenos cromossomas. Isso torna-a ideal para estudar as pontas dos cromossomas. Blackburn determinou a sequência repetitiva dos telómeros da Teatrahymena e descobriu que o seu tamanho é variável. Três anos mais tarde, já na Universidade da Califórnia, em Berkeley, fez uma descoberta surpreendente, com a ajuda de Carol Greider, uma aluna de doutoramento com quem haveria de partilhar o Prémio Nobel da Medicina em 2009. Verificaram que os telómeros podem crescer. Isso acontece graças a uma enzima, uma proteína especial que é uma máquina de alongar telómeros. Chama-se telomerase. Mas ao longo da vida a telomerase vai perdendo a sua luta. Por isso os telómeros tornam-se mais curtos e os cromossomas ficam desprotegidos.
Portanto, tudo se parece reduzir a uma questão de “engenharia civil” do ADN, que poderemos eventualmente resolver usando a máquina adequada, a telomerase. Será que podemos prolongar a vida humana fazendo chegar ao núcleo das nossas células quantidades generosas desta enzima? Estará encontrado o elixir da imortalidade? Infelizmente não. Tentar prolongar a vida com métodos artificiais para aumentar a telomerase é muito arriscado. A telomerase em excesso pode provocar uma multiplicação descontrolada das células, ou seja, cancro.
Pensando ao contrário, há investigadores que tentam encontrar estratégias de tratamento de cancro que consistem em desligar a telomerase nas células cancerosas, de modo a impedir que estas se multipliquem (no dia 25 de Abril de 2018 foi publicada na revista Nature a estrutura em três dimensões da telomerase humana, o que poderá ajudar no desenvolvimento de aplicações médicas). Aumentar a telomerase reduz o risco de certas doenças, mas também aumenta o risco de alguns cancros. Então não podemos fazer nada para alongar os nossos telómeros? Não é bem assim.
É aqui que entra em cena a psicóloga Elissa Epel, especializada em stress psicológico grave e crónico. Ela estudava mães que cuidavam de crianças com doenças crónicas e tinha uma pergunta para Elizabeth Blackburn: o que acontece aos telómeros dessas mães? Muitas tinham um ar esgotado, será que os seus telómeros também se ressentiam do stress a que estavam constantemente sujeitas? Elissa Epel escolheu um grupo de mães que cuidavam de filhos com doenças crónicas e as duas investigadoras fizeram um primeiro estudo. Os resultados foram analisados ao fim de quatro anos e havia um padrão: quanto mais anos as mães passavam a cuidar dos filhos com doenças crónicas, mas curtos eram os seus telómeros, independentemente da sua idade. E quanto mais consideravam a sua situação como stressante, menos telomerase tinham. Quanto mais stress crónico sofremos, mais curtos são os nossos telómeros. Isto significa que temos uma maior probabilidade de ter as doenças do envelhecimento mais cedo e morrer precocemente. No entanto havia algo intrigante nos dados: algumas mães, apesar de cuidarem dos filhos durante muitos anos, conseguiam conservar o comprimento dos telómeros. Este resultado era surpreendente. Para o tentar compreender as duas cientistas fizeram mais um trabalho de investigação.
Vamos a isso!
“Por favor subtraia 17 de 4923, em voz alta. Depois, subtraia 17 à sua resposta e assim por diante, tantas vezes quantas puder nos próximos cinco minutos. É importante que execute esta tarefa rápida e correctamente. Iremos avaliá-la em vários aspectos do seu desempenho. O tempo começa agora.” Parece fácil? Na realidade não é nada fácil, especialmente com dois avaliadores a assistir com uma expressão glacial. Este procedimento não tinha como objectivo avaliar capacidades matemáticas e discursivas, mas simplesmente stressar as mulheres. Epel e Blackburn queriam perceber se era o tipo de resposta ao stress que fazia a diferença, se isso poderia explicar que algumas mães mantivessem o tamanho dos seus telómeros, mesmo depois de passarem muitos anos a cuidar de filhos com doenças crónicas e graves. Para isso basearam-se no trabalho da psicóloga Wendy Mendes, da Universidade da Califórnia (por curiosidade, foi Miss Califórnia em 1989) que examinou os diferentes tipos de respostas corporais a factores de stress.
Consideremos dois casos. No primeiro, reagimos às causas de stress como se elas fossem uma ameaça. Os vasos sanguíneos contraem-se, os níveis de cortisol (que é a hormona do stress) aumentam e mantêm-se altos. Preparamos o corpo e a mente para o trauma de um ataque. Isto não é bom para a saúde dos telómeros, porque níveis de cortisol persistentemente elevados diminuem a quantidade de telomerase. Por outro lado, se virmos a causa de stress como um desafio, o sangue flui pelo nosso corpo, criamos as condições físicas e psicológicas para nos empenharmos totalmente, ter o melhor desempenho possível e ganhar. Claro que ainda assim pode haver um aumento súbito de cortisol que nos dá a atitude “vamos a isso”, mas que baixa rapidamente e não afecta os telómeros.
Em geral as pessoas têm um misto das duas respostas. E é proporção entre as duas que importa para a saúde dos telómeros. No estudo liderado por Epel e Blackburn as mulheres que encararam a tarefa stressante mais como um desafio do que como uma ameaça tinham telómeros mais longos. E isso significa, segundo as duas autoras, que temos razões para ter esperança, pois há formas de treinarmos para reagir aos acontecimentos stressantes de modo a proteger os telómeros. No seu livro citam o psicólogo de desporto Jim Afremow, que trabalha com atletas olímpicos. Segundo ele, a pior coisa que os atletas podem fazer é tentarem livrar-se do stress: “Têm de pensar no stress como algo que os ajuda a prepararem-se para o seu desempenho. Têm de dizer: ‘Sim, eu preciso disto!’”
Para além do nosso tipo de resposta ao stress, que podemos tentar treinar, há também vários factores sociais que influenciam o tamanho dos nossos telómeros. Crescer em bairros pobres e violentos ou ser alvo frequente de bullying está associado com um comprimento menor de telómeros em crianças. O mesmo acontece em adultos que foram vítimas de maus tratos na infância ou sujeitos a vários tipos de adversidades (como desemprego dos pais ou doenças graves). A discriminação racial também pode acelerar o envelhecimento, assim como a violência doméstica. Isto significa que não só temos a capacidade de influenciar o tamanho dos nossos telómeros, mas também os dos outros. O que já fez pelos seus telómeros… e da sua família e da sua comunidade hoje?