Duas décadas depois o rock voltou a encher a Alfândega do Porto
O North Music Festival mudou-se de Guimarães para o Porto. Cerca de 25 mil pessoas rumaram à zona ribeirinha para um reencontro com os Prodigy, que ali tinham tocado há 21 anos, num fim-de-semana marcado ainda pelas actuações de Gogol Bordelo, Guano Apes, Mão Morta, Linda Martini, Da Chick, Slow J e First Breath After Coma.
Há 21 anos, Lígia Violas deparou-se com um dilema. Na altura a frequentar a faculdade, tinha de optar entre ficar em casa a estudar para uma frequência ou ver algumas das bandas que em 1997 faziam parte da sua lista de preferências. Eram uma dessas bandas os Prodigy, com concerto marcado para o festival Imperial ao Vivo, na Alfândega do Porto, junto ao rio Douro. A música falou mais alto e, numa época em que os festivais de Verão começavam a ganhar terreno, rumou até Miragaia para fazer parte da moldura humana que naquele ano decidiu seguir o mesmo destino.
Duas décadas depois, desta vez sem responsabilidades académicas que a deixassem no limbo, voltou ao mesmo sítio com o mesmo propósito para um reencontro com os Prodigy, que neste fim-de-semana — sexta-feira e sábado —, num cartaz encabeçado pelos britânicos e por Gogol Bordelo, Guano Apes e Mão Morta, assinalaram o regresso à Alfândega de um festival mais orientado para o rock, duas décadas depois do Imperial ao Vivo e de uma edição das Noites Ritual Rock, que naquele ano, excepcionalmente, não se realizaram nos jardins do Palácio de Cristal.
Foram estas as últimas vezes que um festival dentro deste formato decorreu na zona contígua ao edifício da Alfândega. Após uma primeira edição em Guimarães, no estádio Dom Afonso Henriques, a organização do North Music Festival (NMF) mudou-se para o Porto, para um local que já tinha experimentado algo semelhante, despertando a nostalgia de alguns dos que estiveram presentes no festival realizado em 1997, que trouxe ao Porto, além dos Prodigy, bandas como Smashing Pumpkins, Skunk Anansie, Scorpions, Megadeth e uns Moonspell acabados de lançar o álbum Irreligious, que os catapultou definitivamente para o mercado internacional.
Desta vez, neste festival, de acordo com dados da organização, passaram pelo recinto 25 mil pessoas, 10 mil na sexta-feira e 15 mil no sábado, confirmando que a mudança de cidade foi “uma aposta ganha”.
No primeiro dia do evento, ao final da tarde, por altura do primeiro concerto, quem andasse pelo recinto não podia prever que a casa ia encher, embora a organização já contasse com isso. Tocava a portuguesa Da Chick e grande parte do público ainda na zona exterior trocava os bilhetes pelas pulseiras de acesso ao recinto.
Lá dentro, o público dividia-se entre o palco e as zonas de descanso espalhadas pelo espaço. Havia também quem aproveitasse para contemplar o Douro e a paisagem da cidade vizinha. Um dos edifícios na linha do horizonte, preenchida por muitas das Caves do Vinho do Porto, é o do antigo Hard Club, que agora é só uma ruína. Curiosamente, foi também em 1997, ano marcado pelo último grande festival de Verão a decorrer na Alfândega, que o clube de música agora com base no Mercado Ferreira Borges, ali bem perto, abriu portas já no final desse ano.
O edifício de granito encerrou em 2007. A antiga tanoaria, propriedade da família do baterista dos Xutos & Pontapés, Kalu, um dos sócios do clube, tinha sido vendida a investidores estrangeiros do sector imobiliário que tinham outros planos para o local. Durante as obras para a construção de apartamentos de luxo foi encontrado um arco romano. Até hoje, a empreitada está parada.
Em 2010, mudou-se para o Mercado Ferreira Borges, onde no mesmo dia do arranque do NMF tocavam os espanhóis Vetusta Morla para uma sala completamente esgotada. Apesar de ser mesmo ali ao lado, o festival em nada saiu afectado em termos de público.
Há público para mais
Já lá vão os tempos em que a oferta de concertos em Portugal, e no caso particular do Porto, era escassa. Aos 51 anos, Miguel Sousa, que no primeiro dia do evento queria ver os portugueses Linda Martini, recorda-se de nos seus tempos de juventude não dispor de um leque de escolha tão alargado como agora. Desde o primeiro concerto que viu, em 1980, quando os britânicos Fischer-Z tocaram no Pavilhão do Académico, “muita coisa mudou”.
Hoje há mais oferta e mais público. Com outros festivais no Grande Porto, como por exemplo o Marés vivas, em Gaia, e o Primavera Sound, considera haver espaço para mais um: “Mais houvesse.”
Lígia Violas concorda. Entende que há lugar para festivais com diferentes abordagens, porque há também vários tipos de público. No caso do NMF, acredita ter apelado a um público mais nostálgico, tendo em conta algumas das bandas do cartaz que por cá já tinham passado há vários anos. Não é por isso que o público mais novo não compareceu. “Houve um encontro de gerações”, diz.
Para Ricardo Pereira e Daniel Rocha, dois amigos que lá foram para ver Gogol Bordelo, falta espaço nestes festivais para bandas que estão a começar. Os dois têm uma banda e acreditam que uma solução seria criar neste tipo de festivais “maiores” um palco para bandas que estão a dar os primeiros passos.
Porém, essa é uma das lacunas que o director do festival Jorge Veloso diz já estar coberta. Além das bandas que tocaram no palco principal, dentro do edifício da Alfândega, onde decorriam outras actividades que vão além da música, com espaços para tatuagens ou para degustação de petiscos, estava montado um palco para projectos emergentes. “Queremos ser um festival transversal e que chegue a vários públicos”, afirma.
Jorge Veloso explica ainda que a mudança de Guimarães para o Porto se deu por uma questão de proximidade de um público mais vasto e também para aproveitar o “momento positivo” que a cidade atravessa, nomeadamente pela afluência de turistas que a visitam. De resto, fizeram-se notar dentro da audiência do evento.
Não só no recinto, mas também em cima do palco havia quem quisesse aproveitar para conhecer a cidade. Embora não tivesse sido uma estreia no Porto — em 2001 já tinham tocado no Marés Vivas, quando ainda decorria na praia do Areinho —, os Guano Apes, que também há duas décadas lançaram Proud like a God, o álbum mais aclamado dos alemães, faziam questão de elogiar a vista que tinham do palco. Em dia de aniversário da vocalista, Sandra Nasic, a própria diz que não vieram só para tocar: “Vamos aproveitar e ficar cinco dias a desfrutar do Porto.”