Como reduzir o tempo da justiça nos processos sobre corrupção
Os portugueses, com razão, têm a percepção de que os grandes processos judiciais se arrastam eternamente sem que algo de punitivo daí surja para os seus autores.
Na recente entrevista ao PÚBLICO/Renascença, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mostrou-se muito preocupado com a morosidade da justiça, dizendo que “é de tal forma lenta que se morre antes de um processo chegar ao fim”. Já antes tinha chamado à atenção dos partidos para debaterem a questão, com vista a melhorar o sistema.
Os portugueses, com razão, têm a percepção de que os grandes processos judiciais se arrastam eternamente sem que algo de punitivo daí surja para os seus autores. O fenómeno leva alguns humoristas a representar a justiça com uns óculos escuros, uma bengala na mão e uma balança totalmente desequilibrada, em vez da clássica mulher com uma venda nos olhos e uma balança perfeitamente equilibrada.
Para se obter a perspectiva adequada à compreensão da estrutura básica do modelo de processo judicial, das suas soluções e dos seus princípios fundamentais, convirá começar por uma referência prévia aos fins ou metas que, em última instância, é legítimo esperar de um processo judicial no quadro de um Estado de direito democrático.
Quem estudar a matéria, verificará que o legislador do Código Processo Penal (CPP) se preocupou com a celeridade processual. Na verdade, no preâmbulo ao CPP, diz-se que a reforma processual penal, seguindo parâmetros do direito comparado, procurou, formalmente, a máxima celeridade na administração da justiça, apenas com um limite: o da sua compatibilidade com as garantias de defesa do arguido. No entanto, o dia a dia dos tribunais, nomeadamente os processos mediáticos sobre a alta corrupção, a correr termos nos tribunais, devem deixar preocupados todos os portugueses, uma vez que a previsilidade da sua duração poderá apontar para uma total impunidade.
A máxima celeridade na tramitação processual assenta, em primeiro lugar, na consideração de que os julgamentos realizados no mais curto prazo e compatível com as garantias de defesa, é um direito fundamental dos cidadãos. Por outro lado, a máxima celeridade é também exigida por razões de prevenção geral, cujo efeito dissuasor é reconhecidamente maior do que o da severidade da pena tardiamente aplicada. Na prevenção especial, a celeridade serve para evitar uma estigmatização e adulteração irreversível da identidade dos arguidos.
E a quem interessa a celeridade processual?
O processo penal demasiado longo significa uma correspondente submissão do arguido inocente, a ficar mais tempo sujeito a medidas de coacção e poderá ficar socialmente prejudicado: empregos que se podem perder, permanente atentado à honra de alguém que se presume inocente, a saúde física e mental que poderá ser afectada, o stress, a angústia, a frustração, etc.
O interesse dos lesados ficam igualmente prejudicados no ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, porquanto ser indemnizado tarde e a más horas equivale, em certa medida, a não o ser: indemnização tardia é meia indemnização, pois a sua utilidade económica ficará gravemente comprometida.
A celeridade processual justifica-se ainda por uma razão de credibilidades do sistema judiciário e de vigência do Estado de direito. A propósito do sistema formal relativamente aos grandes e mediáticos processos, caminha-se a passos largos para um descrédito generalizado da justiça, devido à sua lentidão nos casos de corrrupção, cifras negras de impunidade escandalosa, conduzindo ao que alguns autores chamam “sistema de injustiça criminal”.
A Constituição, no artigo 20º nº 4, fala em “ prazo razoável mediante processo equitativo”. O que é a equidade? Os moralistas dizem tratar-se de uma virtude especial, integrada na justiça e ligada à prudência, mais precisamente respeitante aos discernimentos dos casos singulares que escapam ao teor geral da norma. É encarada como uma justiça natural, superior à justiça positiva e, eventualmente, de outros valores necessários à humanização do direito. Por sua vez, os juristas dizem tratar-se de um valor, parte subjectiva da justiça, mediante a qual, consideradas as circunstâncias do caso, se deixa de observar a lei no seu teor literal, para salvaguarda da justiça e do bem comum. Assim, os dois conceitos constitucionais – prazo razoável e equidade – devem estar presentes numa boa interpretação das normas referentes aos prazos.
Perante o direito criminal vigente, devem, portanto, os tribunais encontrar o ponto de equilíbrio, ou seja, o prazo razoável, entre a procura da verdade material e o respeito pelos direitos de defesa dos arguidos. Mas, ninguém compreenderia que os crimes mais graves e cada vez mais complexos, como a corrupção, com cartas rogatórias (enviadas para o estrangeiro) para cumprir, ficassem por terminar, devido à limitação de tempo, frustrando-se o objectivo geral de prevenção do crime.
Daí que a celeridade processual dos crimes de corrupção deva ser obtida através de outros mecanismos processuais, pelo que se sugere aos partidos e deputados as seguintes medidas legislativas:
1.ª - Conceder carácter de urgêncía, em todas as fases, aos processos sobre corrupção.
2.ª - Em matéria criminal, sem prejuizo do disposto no n.ºs 2 e 3 do artigo 410 do CPP, os recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça visam exclusivamente o reexame de matéria de direito (art.º 434 do CPP). Ora, normalmente, a matéria de direito no âmbito criminal, suscita questões simples de resolver, pelo que seria de eliminar o recurso o para o Supremo, atribuindo aos Tribunais da Relação o poder de decidir, definitivamente, em materia de facto e de direito. Esta alteração não colide com as normas constitucionais.
Não aplicando estas duas medidas legislativas aos casos de corrupção, não se vislumbra maneira de obter maior celeridade processual nestes processos e, dada a dimensão destes crimes em Portugal, o regime democrático caminha a passos largos para o seu total descrédito. (Juiz desembargador jubilado).