Na campanha de Maduro, os apoiantes aparecem pela pátria e por comida

O Presidente concorre quase sem oposição a mais um mandato nas eleições de domingo. A oferta de transporte e refeições ajudam a compor boas assistências para os comícios.

Foto
Maduro, num dos muitos comícios que organizou pelo país Reuters

Eles tinham grandes insufláveis de Chávez – trata-se de Hugo Chávez, o pai da revolução venezuelana. Tinham música popular – e até uma harpa. Havia um mar de apoiantes do Governo envergando camisas vermelhas. O Presidente Nicolás Maduro dançou.

Havia também autocarros – autocarros que transportaram milhares de funcionários públicos e operários fabris para ouvir Maduro, o líder autoritário da Venezuela, numa das últimas acções de campanha antes das eleições de domingo, em que é o esperado vencedor. Num país que enfrenta uma pobreza e fome galopantes, muitos receberam sandes de fiambre e queijo e sumos. Alguns apresentaram pedidos escritos à mão, implorando aos seguranças que os entregassem a Maduro no palco.

A acção de campanha desta semana forneceu uma janela para a psicologia daqueles que apoiam Maduro, um líder que a Administração Trump apelidou de “ditador” e que atirou o seu país ao chão. Isto foi Maduro apresentando-se como um benfeitor num país de pessoas em desespero.

Em vez de aspirarem pelo futuro glorioso trazido pela revolução da Venezuela, a maioria apareceu para tentar alcançar ganhos modestos num país próximo do colapso. Euclider Guerra, um operário de 35 anos, foi pedir uma cadeira de rodas para a sua mãe. Yennifer Gold, uma mãe de quatro filhos com 30 anos, disse ter vindo com a esperança de conseguir habitação social e para se assegurar que continua a receber os cada vez menores cabazes alimentares subsidiados pelo Governo.

“Sim, estamos com problemas com comida e água”, afirmou. A hiperinflação da Venezuela – a mais elevada do planeta – fez aumentar os preços da comida acima do alcance de milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, diz, Ciudad Guyana, uma cidade de 1,4 milhões de habitantes, como outras pelo país, está a sofrer limitações no acesso à água por causa dos apagões da rede de abastecimento e pela falta de peças de substituição.

“Quero uma casa”

“Mas vim aqui porque quero uma casa”, disse. “Disseram-me para trazer uma carta e que seria dada ao Presidente. Eu vou votar e então a única coisa que me resta é rezar para ter o que preciso em troca.”

Os candidatos da oposição tradicional foram proibidos de concorrer às eleições, embora Maduro, o sucessor escolhido por Chávez, que morreu em 2013, enfrente dois grandes adversários – Henri Falcón, um ex-apoiante de Chávez, e Javier Bertucci, um pastor evangélico. Maduro, um ex-condutor de autocarros e líder sindical, tenta alcançar um novo mandato que o deixaria no poder por mais seis anos.

Nesta cidade tropical no Leste da região mineira da Venezuela, Maduro, numa camisa azul de colarinho aberto, mostrava tanto vulnerabilidade como força. Descreveu-se a si próprio como um “trabalhador humilde” que “cometeu erros”. Apesar de, no passado, ter confrontado as classes mais altas, parece agora oferecer-lhes um ramo de oliveira.

“Quero estar mais próximo da classe média. Para a classe empresarial, estou pronto para trabalharmos juntos.”

Mas também culpou forças externas e inimigos internos pelas dificuldades da Venezuela e disse ser a única pessoa capaz de tirar o país da crise. Apontou a mira ao “Império” – o império, o seu apelido para os Estados Unidos.

Mas durante uma conferência de imprensa anterior, Maduro sugeriu que as conversações entre a Coreia do Norte e o Presidente Donald Trump – que estão agora em risco – poderiam servir de modelo para uma melhoria de relações entre Washington e Caracas.

“O processo de diálogo entre a Coreia do Norte e o Governo dos EUA é muito positivo”, afirmou. “Não temos armas nucleares, e somos muito diferentes, mas poderia funcionar como um exemplo da necessidade de tolerância no mundo e de respeito pelas diferenças.”

E ainda acrescentou: “É claro que eu e Donald Trump somos diferentes, muito diferentes, e a Venezuela é muito diferente dos EUA, embora eu os admire e respeite. Entre quem é diferente deve haver diálogo.”

Defender os bónus

Na multidão no comício de quarta-feira, havia milhares de trabalhadores de serviços públicos e das indústrias locais – aço, alumínio, electricidade. Alguns eram apoiantes fervorosos de Maduro que atribuíam os seus problemas – aumento do preço dos alimentos, escassez de água e de medicamentos – a uma “guerra económica” levada a cabo por capitalistas abomináveis.

“Este país nunca tinha tido presidentes como Chávez e Maduro, que deram poder aos pobres”, disse Diego Hernandez, 29, operário na fábrica de aço Venalum. Ele juntou-se a outros trabalhadores num autocarro para aqui chegar, e acrescentou que lhe deram comida durante a viagem.

“Não queremos perder os nossos benefícios, as casas, os programas sociais, os bónus”, afirmou. “Independentemente das dificuldades causadas por esta guerra económica, estamos ao lado do Governo e sabemos que Maduro irá conseguir superar tudo isto.”

Outros sentiram-se obrigados a participar, encarando o apoio a Maduro como a única forma de garantir empregos públicos ou serviços.

Josefina Guerra, uma estudante de Direito de 23 anos, disse que participou no comício porque está a tentar candidatar-se a um posto de professora numa escola pública, e disse acreditar que a única forma de conseguir o trabalho é mostrar apoio e votar em Maduro. “Eles deram transporte e uma sandes para o pequeno-almoço”, disse. “Portanto eu vim. Mas nós não estamos bem. Não temos tido água canalizada desde o início do ano e não conseguimos comprar comida. E os transportes são terríveis”, afirmou.

“Se tenho esperança que o Presidente use outro mandato para trazer mudanças? Sim. Tenho que acreditar, por causa da minha carreira.”

Exclusivo PÚBLICO/Washington Post

Sugerir correcção
Ler 1 comentários